29 de ago. de 2018

Lesbianidade e Identidade lésbica

Hoje, Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, gostaria de homenagear esse segmento falando um pouco sobre a história geral da lesbianidade e da identidade lésbica.

A identidade pode ser um tanto recente. No entanto, a lesbianidade foi registrada em diversos momentos na história da humanidade.


Desde a Grécia Antiga já existiam relatos de relações amorosas entre mulheres, sendo os textos da poetisa Safo, da Ilha de Lesbos, os mais conhecidos. Só daqui podemos ver de onde surgiram as palavras lésbica e sáfica.

(Descrição de imagem: uma pintura de Safo e Erina, amiga de Safo e também poetisa)

Mesmo em Roma com toda sua suposta liberdade sexual a mulher foi recriminada, sendo limitada ao lar e à família biológica. Por isso vemos a necessidade de discutir sobre a mulher lésbica dentro dos dois aspectos: atração e gênero.

O conceito de lésbica foi desenvolvido apenas no século XX, para separar os comportamentos "homoafetivos" entre homens e entre mulheres. O sexo entre mulheres foi historicamente visto como tabu, chegando a ser desacreditado. No entanto, infelizmente, relações sáficas foram patologizadas, assim como as aquileanas, pela comunidade médica na época da Segunda Guerra.

Nas décadas de 1950-1960 surgiram as sub-culturas lésbicas femme e butch, que são, respectivamente, lésbicas de expressão feminina e de expressão masculina. Era comum femme e butch formarem pares, imitando casais héteros.

Embora esses termos sejam mais populares no meio lésbico, ressalto aqui que podem ser usados como expressão de gênero por outros segmentos.

(Bandeira butch)

Na década de 1970 formou-se uma identidade lésbica política por causa do movimento feminista radical da época. Isso gerou controvérsias, pois muitas lésbicas não queriam que a identidade fosse uma mera questão de escolha de comportamento sexual.

A comunidade lésbica se consolidou mais nesse mesmo período, até por ter ocorrido a devida separação entre as mulheres lésbicas e as mulheres bi/multi.


O machado labrys da bandeira, um símbolo matriarcal e de empoderamento feminino, pode ter sido escolhido por ser artefato da deusa grega Deméter, cujos rituais envolviam atos sáficos. A bandeira ainda é utilizada por lésbicas, em especial feministas.

E na década de 1990 surgiram as sub-culturas lipstick e chic, que acreditavam na feminilidade como instrumento de empoderamento.

(Bandeira lipstick)

A bandeira lésbica alternativa e mais comum agora é apenas a bandeira lipstick sem a marca de batom (a primeira bandeira do texto). Ela está disponível para todes que não se sintam à vontade com a bandeira labrys por algum motivo.

Atualmente muitas lésbicas estiveram numa busca por uma nova bandeira, uma que contemple todas as lésbicas sem distinção. Há algumas bandeiras criadas em comunidades virtuais anglófonas, porém, são muito desconhecidas.

Mesmo com os estereótipos internos e sociais, a comunidade lésbica seguiu seu rumo, lutando contra invisibilidade e discriminação de todos os lados, tendo seus direitos defendidos por coletivos ativistas e figuras femininas de alcance, como atrizes.

A identidade lésbica se estendeu também para as pessoas não-binárias, assim como a identidade gay. Pessoas lunarianas ou conectadas com a feminilidade, e que sentem atração exclusiva por mulheres ou também por outres lunarianes podem se dizer lésbicas.

Por fim, o mês de agosto é marcado pelo Orgulho Lésbico, que une todas as pessoas que se identificam como lésbicas, sejam mulheres cis ou trans, não-binárias, alo ou a-espectrais, de todas as etnias e corporalidades, e também aquelas que ainda não se assumiram.



27 de ago. de 2018

Não-conformidade de linguagem

Decidi criar o conceito de não-conformidade de linguagem (NCL), que é o ato de utilizar pessoalmente uma linguagem que não seja socialmente aceita ou imposta por um sistema.

Criei o termo me baseando na não-conformidade de gênero (NCG), cujo conceito é uma pessoa com uma expressão de gênero não esperada pela sociedade.

Assim como o gênero é imposto de acordo com o sexo biológico, a linguagem é imposta de acordo com o gênero. Para o sistema, homem deve usar o/ele/o e mulher deve usar a/ela/a. E não existem outras linguagens além dessas.

O termo NCL inclui:

- toda pessoa que usa algum conjunto de neolinguagem (-/elu/e, x/elx/x, a/éle/-, etc);
- pessoas binárias ou não-binárias que usam as linguagens a/ela/a e o/ele/o;
- pessoas binárias que usam a linguagem normalizada "não esperada": mulheres que usam o/ele/o e homens que usam a/ela/a;
- pessoas que usam outras opções mais incomuns como pronomes, como emoji;
- quem não usa nenhum pronome ou nenhuma linguagem.

Esse termo pode ser usado mais politicamente para quem quer reafirmar sua inconformidade com as linguagens normalizadas e impostas pelo sistema, ou apenas como um descritor para quem considera útil ou agradável.

Ser não-conformista de linguagem também é um ato político, também é desafiar normas, e também é uma demanda social - principalmente e quase exclusivamente de pessoas não-binárias.

O conceito pode ser aplicado para outras línguas; logicamente fazendo as adaptações necessárias. Por exemplo, o inglês não tem conjuntos, apenas pronomes. E embora they seja aceito como pronome singular neutro, ainda está fora das expectativas sociais, e seria incluso nos três grupos citados acima.

Pessoas que moram em países com uma só opção de linguagem/pronome, ou pessoas que moram em algum país ainda sem outras opções, e que não se conformam com a linguagem disponível (mesmo usando-a!) também podem se dizer NCLs.

Esse conceito também pode incluir o uso de neologismos (novas palavras) criadas como alternativas para conjuntos binários específicos, como mi (meu/minha), bone (bom/boa), princis (príncipe/princesa), mai e pãe (pai/mãe) etc.

Enfim, está aí para quem quiser.



25 de ago. de 2018

Crítica: Manual de Comunicação LGBTI+

AC: terminologias ultrapassadas; conceitos excludentes/equivocados; apagamento de pessoas intersexo, multi, não-binárias e a-espectrais.



O Manual de Comunicação LGBTI+ é um material que foi disponibilizado em maio para tornar o jornalismo mais inclusivo. O artigo é uma crítica a tudo que o manual falhou ou errou. A intenção não é atacar ou rechaçar, mas a crítica será dura porque esse material tem um alcance importante, foca na comunidade LGBTQIAPN+, e foi produzido por grandes instituições.



Vou copiando uns trechos e fazendo minhas críticas.Vamos lá:

"Este Manual visa apresentar aos meios de comunicação, incluindo jornalistas e estudantes desta área, a terminologia mais atualizada sobre a população lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual e intersexual (LGBTI+)*, trazendo à discussão temas importantes para o debate nacional e internacional sobre seus direitos."

Terminologia mais atualizada, mas nem citam a palavra transgênero e usam intersexual em vez de intersexo. Começaram bem.

No Prefácio são inconstantes com a linguagem: num momento falam "as/os", no outro falam "os". Decidam-se: vão ser excludentes com pessoas não-binárias da forma tradicional ou da forma falsamente inclusiva?

"Para ajudar a encher esse copo com direitos e cidadania é preciso contar com todas/os as/os comunicadoras/es e jornalistas, que têm o compromisso ético de denunciar discriminações excludentes dos direitos assegurados constitucionalmente a todos os cidadãos, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero."

Cadê qualquer menção a sexo ou corporalidade? Diz respeito diretamente ao segmento intersexo, que fizeram questão de adicionar na sigla usada no material todo.

"Você sabia que a cada 25 horas uma pessoa lésbica, gay, bissexual, trans ou intersexo é assassinada no Brasil apenas por sua orientação sexual ou identidade/expressão de gênero?"

Eu já acho esse dado um tanto questionável por alguns motivos. Mas pessoas intersexo estão inclusas? Não era apenas LGBTs? Cadê pesquisas sobre violência diadista?

Bom, sobre os conceitos (não vejo necessidade de transcrever). Sexualidade, grande demais. Gênero, acho que tudo bem. Sexo biológico, só não curto os termos macho e fêmea. Intersexualidade, acho que tudo bem.

"Aliado(a). Pessoas que, independente da orientação sexual ou identidade de gênero, tomam ação para promover os direitos e a inclusão LGBTI+. Elas são comumente conhecidas como Simpatizantes."

"Independente da orientação sexual ou identidade de gênero"? Aliades da comunidade toda são apenas pessoas: perissexo, cis, hétero e alo. E você é aliade de todo grupo que não faz parte (gays e lésbicas são aliades de bi/multi, alos são aliades de a-espectrais, etc). "Simpatizantes"... mas o manual tem terminologia atualizada, né?

"A orientação sexual refere-se à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas."

Mesmo dizendo "gênero diferente", logo percebe-se que a definição parte de um viés exorsexista e diadista de que só existem dois gêneros e dois sexos.

"Basicamente, há três orientações sexuais preponderantes: pelo mesmo sexo/gênero (homossexualidade), pelo sexo/gênero oposto (heterossexualidade) ou pelos dois sexos/gêneros (bissexualidade). Estudos demonstram que as características da orientação sexual variam de pessoa a pessoa (KINSEY et al., 1948). Assim, as três orientações sexuais preponderantes mencionadas acima não são as únicas."

Tá, preponderantes, mas... já não deveríamos ter passado disso? Dessa tríplice hétero-homo-bi? Agora, definir atração por sexo não tem desculpa. Mas o manual é atualizado, né? E mais: assexualidade existe!

"Assexual. É um indivíduo que não sente nenhuma atração sexual, seja pelo sexo/gênero oposto ou pelo sexo/gênero igual."

Ah, lembraram da existência de assexuais. Mas colocaram uma definição ultrapassada, como se não existisse um espectro na assexualidade. Nem citaram demissexualidade, que há um bom tempo está sendo falada. Sem contar "gênero oposto" e "gênero igual".

Me recuso a transcrever a definição de bissexual. É a mesma coisa desatualizada e exorsexista de sempre...

As definições de gay e lésbica excluem a possibilidade de pessoas não-binárias se identificarem como tais, e da possível atração por outros gêneros, respectivamente, masculinos e femininos. Mas não esperava que soubessem disso.

"Assim, o termo homossexual pode se referir a homossexuais femininas – lésbicas, ou homossexuais masculinos – gays."

Super atualizado usar homossexual como substantivo, hein!

Homoafetivo: termo excludente porque relações do mesmo gênero não existem apenas entre gays e lésbicas bináries. E não há relações entre não-bináries ou bináries com não-bináries, né?

Pessoas gays, hétero, homossexuais, e lésbicas não precisam ter tido relações pelos gêneros que se atraem para se definirem nessas identidades? E quem precisa? Atração é definida por... atração, não relação. Engraçado que não ressaltaram isso sobre bissexuais.

"Significa que as pessoas pansexuais podem desenvolver atração física, amor e desejo sexual por outras pessoas, independente de sua identidade de gênero ou sexo biológico. A pansexualidade é uma orientação que rejeita especificamente a noção de dois gêneros e até de orientação sexual específica."

De novo enfiam sexo biológico na definição. Atração bi também considera mais de dois gêneros. Pansexualidade É uma orientação específica!

Não citaram nem polissexualidade, que direto é falada junto com pan.

E mais uma vez essa supervalorização da atração sexual como se só ela definisse as experiências das pessoas. Nada de atração romântica e, consequentemente, nada de pessoas arromânticas, que estão mais e mais em evidência também.

"Identidade de gênero é a percepção que uma pessoa tem de si como sendo do gênero masculino, feminino ou de alguma combinação dos dois, independente de sexo biológico."

Os três gêneros: homem, mulher, e... misto? Holher? Mumem? Não-binariedade se resume a ser uma mistura de homem e mulher, né? Pelamor, nem pra citarem agênero ou gênero-fluído!

"A expressão de gênero da pessoa nem sempre corresponde ao seu sexo biológico."

Sexo biológico não define identidade de gênero, mas define expressão de gênero???

"Agênero. Pessoa que não se identifica ou não se sente pertencente a nenhum gênero."

Ah, então existe a possibilidade de não ter gênero? Por que não foi dito antes?

"Binarismo de gênero. Ideia de que só existe macho | fêmea, masculino | feminino, homem | mulher, sendo considerada limitante para as pessoas não-binárias."

Bom, a palavra binarismo está sendo usada de forma errada. Ela na verdade foi cunhada para discutir sobre a imposição ocidental binária de gênero contra todas as culturas que aceitavam mais de dois gêneros. É uma discussão racial, inclusive. Só que aqui no Brasil a palavra popularizou. Soltam esse conceito sem nem explicar o que são pessoas não-binárias.

"Cisgênero. Um termo utilizado por alguns para descrever pessoas que não são transgênero (mulheres trans, travestis e homens trans). “Cis-” é um prefixo em latim que significa “no mesmo lado que” e, portanto, é oposto de “trans-” (GLAAD, 2016). Refere-se ao indivíduo que se identifica, em todos os aspectos, com o gênero atribuído ao nascer."

"Alguns". Exclusão de não-bináries. "Em todos os aspectos", quais, além da identidade em si? Isso inclui expressão? Porque se sim, NÃO.

Conceitos de drag queen, drag king e transformista estão excludentes. Pessoas de qualquer gênero podem performar essas artes!

"Gênero fluído (gender-fluid). A pessoa que se identifica tanto com o sexo masculino ou feminino. Sente-se homem em determinados dias e mulher em outros."

Caramba! Mais uma opção fora do binário que não foi citada. E pessoas gênero-fluído só mudam entre os gêneros binários. Aham...

"Transgênero. Terminologia utilizada para descrever pessoas que transitam entre os gêneros. São pessoas cuja identidade de gênero transcende as definições convencionais de sexualidade."

"Pessoas que TRANSITAM entre os gêneros". É tão difícil escrever o contrário da definição de cisgênero??? E mais, definição mais sem sentido.

Bom, transexual é um termo controverso. Mas ainda muito usado no Brasil. Há pessoas n-b que também usam. Podiam ter explicado bem porque há gente que usa transexual, e gente que usa transgênero, né?

A definição de travesti abre brecha para pessoas designadas mulheres se identificarem como travesti. Nunca vi casos assim.

"Queer. Um adjetivo utilizado por algumas pessoas, em especial pessoas mais jovens, cuja orientação sexual não é exclusivamente heterossexual. De modo geral, para as pessoas que se identificam como queer, os termos lésbica, gay, e bissexual são percebidos como rótulos que restringem a amplitude e a vivência da sexualidade. O termo queer também é utilizado por alguns para descrever sua identidade e/ ou expressão de gênero. Quando a letra Q aparece ao final da sigla LGBTI+, geralmente significa queer e, às vezes, questioning (questionamento de gêneros)."

"Em especial pessoas mais jovens": essa identidade existe há décadas. Queer não é rejeição ou ausência de rótulos, pode ser uma outra identidade. E o grupo Questionando não é só sobre gênero, é sobre atração também.

E após todas essas explicações repletas de desinformação, colocam aquela porcaria daquele biscoitinho. E o melhor de tudo é que, além de informações também erradas, muitas contradizem tudo que foi falado anteriormente. A contradição da contradição xD. Alguém se deu ao trabalho de revisar as informações do capítulo e do infográfico?

Me recuso a comentar os conceitos. Quem chegou até aqui nem precisa disso.

"A LGBTIfobia pode ser definida como o medo, a aversão, ou o ódio irracional a todas as pessoas que manifestem orientação sexual ou identidade/expressão de gênero diferente dos padrões heteronormativos, mesmo pessoas que não são LGBTI+, mas são percebidas como tais."

Mais uma vez nenhuma menção a sexo/corporalidade, como se diadismo não existisse. Isso que colocaram o I nessa palavra horrível. Não há só padrões "heteronormativos". E sim, existe opressão maldirecionada, quando pessoas que não são da comunidade são discriminadas por serem lidas como membros dela, mas... botar essas exceções junto me deixou desconfortável - abre brecha pra dizer que hétero pode sofrer homofobia.

"Na maior parte das vezes, os fenômenos da intolerância, do preconceito e da discriminação em relação a gays (homofobia), lésbicas (lesbofobia), bissexuais (bifobia) e travestis e transexuais (transfobia) devem ser tratados não com terapia e antidepressivos, como no caso das demais fobias, mas sim com a punição legal e a educação."

Ah, então nem é doença mental? Então talvez usar sufixo -fobia não seja tão adequado? Por isso que existe a proposta de mudar os sufixos para -misia.

"É importante observar, que além da LGBTIfobia, o fenômeno da Misoginia também se manifesta neste contexto, podendo ser definida como discriminação e violência contra mulheres (cis ou trans) ou pessoas designadas como mulher."

Tá, mas para mulheres trans - que sofrem também com cissexismo - existe o termo transmisoginia. Pessoas designadas como mulher, mas todas elas? Porque se forem não-binárias, estamos falando de exorsexismo.

Bom, colocaram em seguida a definição de fobias, que não condiz com as ações envolvidas em crimes de ódio e discriminações. Decidam-se: os termos com sufixo -fobia são válidos ou não?

"Qual banheiro ou vestiário a pessoa trans deve usar? Se a pessoa se apresenta e se identifica como mulher, deve usar o banheiro/vestiário feminino, se a pessoa se apresenta e se identifica como homem, deve usar o banheiro/vestiário masculino."

Não-bináries não têm banheiro. Que bacana.

"Utiliza-se o artigo definido feminino “A” para falar da travesti (aquela que possui seios, corpo, vestimentas, cabelos e formas femininas)."

Se não tiver seios, corpo, vestimentas, cabelos e formas femininas não pode usar a linguagem a/ela/a, tá? Não tem dinheiro ou condição pra mudar o corpo? Se fodeu.

Nesse mesmo capítulo, sétimo, vem uma série de apagamentos multi e a-espectral nas partes sobre casamento e família, mas cansei de transcrever trechos. E, pelo visto, um casal aquileano ou sáfico onde uma parte é cis e a outra é trans não podem reproduzir. Fizeram questão de conceituar heteronormatividade e heterossexismo, mas não as demais opressões.

No capítulo 8 falam da rejeição ao sangue de homens aquileanos e perpetuam a ideia de que se resumem a gays. E sobre a intersecção PCD e LGBTI+, falaram bem sobre capacitismo, mas curiosamente citaram homofobia, lesbofobia, transfobia, menos bifobia.

Finalmente, capítulo 10. Não colocaram bandeiras lésbicas. Ah, quer dizer que a faixa branca da bandeira trans inclui as tais pessoas não-binárias que ninguém explicou? A faixa amarela da bandeira pan representa só três opções de pessoas não-binárias. Aham...



Engraçado que falaram que queriam mostrar terminologias mais atualizadas, porém temos referências de conceitos que são de 2006, 2007, 2009, e 2010! Me pergunto quantas comunidades foram consultadas por essas digníssimas referências?

Podia ter sido um bom manual. Infelizmente, foi péssimo. Parece que nem tentaram. Muita falta de pesquisa e de diálogo com os segmentos da comunidade. E acho grave vindo de grandes instituições que dizem estar empenhadas com a causa LGBTI+.

Sim, tem partes que prestam, como a parte de leis e direitos, pautas, sobre saúde e HIV, mas do que adianta se conceitos básicos estão contraditórios, excludentes e equivocados? Do que adianta se ainda há terminologia desatualizada e até opressiva? Melhorem!

Para quem ainda quiser o material, pode ler ou baixar aqui. (Boa sorte!)



19 de ago. de 2018

Representatividades em Steven Universe

AC: SPOILERS até a quinta temporada.



Começo este texto dizendo que considero Steven Universe um dos melhores desenhos da atualidade e um dos melhores já feitos. Seu enredo, criado por Rebecca Sugar, inclui diversas representatividades numa fórmula única, e falarei sobre elas.

(Descrição de imagem: Steven, Garnet, Ametista e Pérola e o título da série)

Falando brevemente sobre o enredo principal para quem ainda não viu o desenho, a história é sobre Steven, que é meio-humano e meio-Gem, uma espécie alienígena com poderes. A trama segue o cotidiano de Steven à medida que ele aprende sobre si e seus poderes, as histórias das Crystal Gems - grupo que protege a Terra e composto por Garnet, Ametista e Pérola -, e mistérios como a mãe de Steven, Rose Quartz, e o passado das Gems no planeta.

Conforme a história progride aprendemos que as Gems são seres lidos como femininos, cada tipo (Pérolas, Rubis etc) possui habilidades únicas, e suas formas são projeções de luz com massa que podem ser mudadas ou escolhidas pela própria Gem.

Logo de início podemos ver que as formas das Gems são bem variadas. Elas se apresentam em muitos tamanhos e formatos, nunca se preocupando com beleza ou padrões, e sempre satisfeitas com a própria aparência. Existem até Gems com um aspecto lido mais como masculino, como Jasper e as Topázios. O próprio Steven é um menino gordinho e não demonstra se importar com isso, além de ter uma boa autoestima.

(Descrição de imagem: à esquerda, Connie lutando com duas Topázios fundidas; à direita, Jasper)

Na sociedade Gem fusões só são permitidas entre Gems do mesmo tipo. Garnet, uma fusão entre uma Rubi e uma Safira, foi condenada por isso. Fusões entre diferentes tipos de Gems podem ser vistas como metáfora para relações fora das normas (aquileanas, sáficas, diamóricas etc).

(Descrição de imagem: "Nascimento" de Garnet)

Embora as Gems não tenham sexo ou gênero, as relações entre elas podem ser vistas como lésbicas/sáficas. Rose Quartz é considerada bi/pan por muites fãs por ter se relacionado com Pérola e homens, o último sendo Greg, pai de Steven.

(Descrição de gif: Beijo de Rubi e Safira no casamento delas e retorno de Garnet)

Essas representatividades não são surpresa visto que Rebecca é bissexual, e colocou parte de suas vivências afetivas nas personagens.

(Descrição de gif: Rose Quartz e Pérola se fundindo em Quartzo Arco-Íris)

(Descrição de imagem: Rose Quartz e Greg dançando)

Rebecca se revelou recentemente mulher não-binária, e com isso também afirmou que todas as Gems são representações de sua experiência de gênero. Ela completou dizendo que as Gems não se importam em serem vistas como mulheres.

(Descrição de imagem: Rebecca Sugar)

Além de tudo isso, temos uma visibilidade não-binária para dues personagens: Stevonnie e Quartzo Fumê. Na língua original elus são referides por outres personagens com o pronome neutro they e não têm gênero definido.

Stevonnie é a fusão de Steven e Connie, enquanto Quartzo Fumê é a fusão de Steven e Ametista. Na lusosfera optou-se por utilizar a linguagem a/ela/a para ambes personagens; o que, na minha opinião, é até válido por não seguir a norma de neutralidade com linguagem "masculina".

(Descrição de imagem: Stevonnie com escudo e espada)

(Descrição de imagem: Quartzo Fumê com seu iô-iô e Peridot atrás delu)

Um outro detalhe sobre Stevonnie é que elu, teoricamente, tem um corpo único e supostamente hermafrodita (não realmente intersexo), sendo a combinação de um menino e uma menina cisgêneros (presumidamente) perissexos. Mas creio que elu ainda poderia ser usade como uma analogia para corpos fora dos padrões, incluindo intersexos.

A sexta temporada será lançada ainda esse ano. Se querem uma animação boa, com um enredo que combina ação e fofura, com toda essa representatividade, e ainda curtem uma temática alienígena, façam um favor a si mesmes e vejam essa maravilha! <3

Se quiser ver online ou baixar, indico esse site: https://stevenuniverseportugues.wordpress.com.



11 de ago. de 2018

Espectro A

Além das atrações mono e multi, geralmente dentro do mundo alo (atração frequente e sem condições específicas), temos o mundo ainda em descoberta das pessoas a-espectrais. O termo a-espectral se refere à ausência de atrações e seus respectivos espectros.

O espectro assexual-arromântico (ace-aro) é o mais comentado e discutido até o momento. Muita gente ainda tem a ideia de que há só um tipo de assexual e de arromântique, e que são pessoas com ausência total de atração a vida toda. Por isso a necessidade de apresentar os espectros.

Ao contrário das orientações alo, as orientações a-espectrais abrem uma imensa discussão sobre o que desperta ou anula atrações, saindo do convencional (atração por gêneros, corpos etc), e mostrando novas possibilidades de autoidentificação.


Aqui colocarei apenas os prefixos. Depois deles pode-se adicionar todas as atrações possíveis, aquelas que a própria pessoa consegue identificar em si.



Gris: atração rara, muito vaga, ou muito fraca.


Demi: atração somente após formar um vínculo emocional forte.


Cupio: atração inexistente, mas há desejo de uma relação que envolva tal atração.


Lite: sente determinada atração, mas não deseja interações ou reciprocidade.


Frai (ou Ignota): atração ocorre somente com pessoas sem proximidade ou desconhecidas (e desaparece quando ocorre proximidade).


Caedo: alguém que sentia determinada atração, mas ela desapareceu após um evento negativo ou traumático.

(Bandeira caedossexual)

Recipro: atração somente se a outra pessoa se mostrar atraída primeiro.


Mir: a pessoa sente duas ou mais orientações ao mesmo tempo (ex: sentir atração demi e atração frai ao mesmo tempo).

(Bandeira mirsexual)

Propes: a pessoa sente duas ou mais orientações misturadas (ex: sentir uma atração que parece ser auto e cupio ao mesmo tempo).

(Bandeira propesssexual)

Quoi (ou Que): alguém que não tem certeza se sente atração, ou não entende o conceito de atração, ou não a entende e não consegue dizer se sente ou não, ou não consegue distinguir atrações, ou não consegue achar um rótulo melhor por não conseguir se compreender ou se definir, ou que sente atração de uma forma diferente/incompreensível.


Neuroa: presença de atração ou vontade de se envolver em atos associados com tal atração, mas sente medo, repulsa, ou aversão por causa de neurodivergência.


Auto: atração por si mesme. Pode definir também ausência de atração, mas a pessoa consegue se satisfazer com ações que envolvem tal atração (ex: masturbação, carícias em si mesma etc).


Procul: atração somente por pessoas inacessíveis (celebridades, gente que mora em outro país, personagens fictícies etc).


Icula: ausência de atração, mas a pessoa está aberta a ações/relações que envolvem tal atração (ex: uma pessoa assexual sexo-favorável pode se identificar como iculassexual).

(Bandeira iculassexual)

Lino: atração ocorre somente com descrições que envolvam ações dessa atração (desenhos, textos, etc), nunca ações reais.


Inate: pessoa que sente determinada atração e deseja uma relação, mas não quer ou tem repulsa pelas ações envolvidas nessa relação.


Dura: atração rara, mas que quando ocorre, dura por um longo período de tempo.


Uni: atração por uma única pessoa, ocorrendo por um longo período ou a vida toda.


Sonio: atração que ocorre somente em sonhos.


Pessoas a-espectrais também podem apresentar fluidez. Por isso existem rótulos com sufixo -fluxo (acefluxo, arofluxo etc) que caracterizam pessoas: que fluem entre as orientações de um espectro, ou cuja atração flutua da presença (forte ou fraca) até a ausência.

(Bandeiras acefluxo e arofluxo)

Existem outras identidades a-espectrais além dessas. Apresentei a quantidade e a variedade que achei necessárias ou interessantes. Se você for a-espectral e não se encaixar em nenhum rótulo aqui, posso te ajudar a encontrar algum outro.

Para quem entende inglês, aqui está o site Pride-Flags, que foi de onde tirei a maioria das identidades: https://pride-flags.deviantart.com/gallery/.



8 de ago. de 2018

O que faltou...

Estou meio sem o que falar no momento, então vou compartilhar algo que estive pensando faz um tempo. Sobre coisas que acredito que faltaram por aqui.

Nesse meu contato com os ativismos sociais, percebi que as pessoas, preocupadas com o bem-estar geral, recorrem muito a um recurso chamado AC: alerta de conteúdo (ou em inglês, CW; content warning).

Para quem não sabe, um AC serve para avisar com antecedência sobre os temas de um texto. Os ativismos sociais tratam de gente e grupos alvos de opressões. Ler um relato que envolva uma opressão pode ser um gatilho, algo que possa deixar a pessoa ansiosa, depressiva, nervosa, enfim.

Acredito que não abordei tantas coisas pesadas aqui e com frequência, mas agora me arrependo muito de não ter colocado alertas nos meus textos. Tá, ninguém nunca reclamou, porém isso é importante. Não sei o estado mental de quem está lendo algo meu.

Outra coisa que faltou é maior inclusividade com pessoas deficientes visuais. Está se tornando cada vez mais comum descrições de imagens e gifs. Se bem que não sou muito de colocar imagens nos artigos. Mas também considero importante.

A descrição é para leitores de tela, que assim vão reconhecer as palavras e ditá-las para a pessoa, pois esses programas de computador não conseguem ler imagens.

Não posso vir aqui e dizer que esse blog é para todes se não estou pensando em todes.

Não estranhem os recursos AC e descrição de imagem a partir de hoje. E se forem produtories de conteúdo, recomendo que os utilizem também. Vamos espalhar essas práticas.



1 de ago. de 2018

Questões controversas #3

Mais questões controversas da comunidade em geral.

Parte 1.
Parte 2.

"Seria possível uma sigla menor e que englobe toda diversidade? 
É realmente necessário aumentar a sigla LGBT?"

Já houve muitas propostas de siglas alternativas para evitar as expansões. Talvez a sigla alternativa mais conhecida seja MOGAI (Marginalized Orientations, Gender Alignments and Intersex). E há também QUILTBAG (Queer, Undecided, Intersex, Lesbian, Trans, Bi, Asexual, Gay) e MGSROI (Marginalized Genders, Sexual and Romantic Orientations and Intersex).

Em todo caso, quando a sigla alternativa falha em ser inclusiva ela tem alguma palavra ou expressão controversa. E devido a popularização da sigla LGBT, quase todos os espaços e grupos socio-políticos acham mais fácil e prático utilizar LGBT e suas expansões. No cenário atual, colocar o sinal de mais (+) em LGBT é o mínimo que pode ser feito para não perpetuar a invisibilidade dos demais segmentos.

Até o momento nenhum movimento LGBT+ tornou essa questão uma demanda. Por isso, até então, pessoas e grupos utilizam as siglas que quiserem ou acharem melhor.


"Termos ofensivos e preconceituosos devem ser reapropriados e ressignificados?"

Uma das estratégias dos grupos oprimidos de tentar combater a opressão foi "roubando" os termos ofensivos. O maior exemplo disso é a palavra queer, que é equivalente a viado, sapatão etc aqui. Pode ser traduzida como esquisite, estranhe, ou mesmo desviante. Usar a palavra ofensiva a seu favor é uma forma de resistência e de desafio.

As pessoas têm todo direito de não querer se reapropriar de termos ofensivos. Dependendo do que passaram, elas podem não conseguir trazer a palavra para si de forma positiva. Isso deve ser respeitado. O que é errado é exigir que termos reapropriados não sejam usados por outras pessoas.

Viado e sapatão tornaram-se identidades políticas para homens aquileanos e mulheres sáficas. Bicha tornou-se uma identidade única e muitos a usam junto com o contexto das periferias. Queer tornou-se um movimento e criou comunidades extremamente diversas e inclusivas. A reapropriação funciona. Mas está disponível para quem quiser.

(Bandeira queer)


"Como lidar com exclusionistas da própria comunidade num espaço inclusivo?"

É uma pergunta bastante complicada. Pensem no quanto é incômodo gays e lésbicas sendo monossexistas, gente cis invalidando o gênero de quem é trans, pessoas alo tentando patologizar a assexualidade, e por aí vai, tudo isso ocorrendo num espaço que deveria ser seguro e acolhedor com toda diversidade.

O que fazer com essas pessoas? Expulsá-las? Se sim, como fazer isso sem fazer um escândalo? Tentar desconstruí-las? Bom, é o caminho mais pacífico. Temos que levar em conta que ninguém nasce desconstruíde e estamos todes inserides em vários sistemas de opressão que nos ensinam a discriminar. Porém, torna-se questionável, dependendo do discurso da pessoa, se vale a pena tentar um diálogo. Há uma linha bem fina entre um discurso de ignorância e um discurso de ódio.

E as pessoas estão mais do que fartas de rebater discursos de ódio vindos de quem não mostra o mínimo interesse em pensar diferente e ter empatia. Inclusive elas procuram espaços mais "isolados" (como no mundo virtual) justamente para escaparem de toda e possível discriminação. Policiar esses comportamentos são bem mais fáceis em comunidades virtuais.