22 de fev. de 2020

Sem rótulos

AC: discursos em geral de apagamento e silenciamento contra microcomunidades.



Isso não é novidade e faz tempo que vejo esse discurso. Mas senti vontade de comentar sobre isso porque recentemente o vi sendo repetido várias vezes por aí nas redes sociais.

Enquanto temos movimentos sociais se apoiando em identidades, há pessoas que se declaram como "sem rótulos". Entre elas temos aquelas que apenas dizem rejeitar rótulos pra si, e aquelas que pregam que ninguém deveria se rotular.

Muito bem. Claro que defendo a liberdade do indivíduo de não se rotular. Se uma pessoa não quer adotar identidades pra si, direito dela. O problema mesmo é com o discurso impositor e no que ele implica.

Não acho coincidência que tantas pessoas que se posicionam contra "os rótulos" sejam despolitizadas, ou apenas alienadas, ou gente intolerante com a pluralidade de identidades (possivelmente com opressão internalizada). Percebo que muitas dessas perspectivas são muito rasas, e não enxergam que identidades descrevem experiências e mobilizam pessoas em busca de demandas. Há pessoas assim muito marginalizadas. Mas não acho coincidência haver tantas privilegiadas o suficiente para não se importarem tanto com possíveis opressões que possam atingi-las.

No mundo atual onde existe tanta discriminação, desigualdade social, e opressões estruturais, "rotular-se" (algo que soa negativo, mas nem deveria sê-lo) é uma necessidade. Por isso existem movimentos sociais.

Agora, outra coisa que acontece muito são pessoas de determinadas identidades fazendo esse discurso em situações convenientes. Podem reparar que dificilmente haverá uma pessoa gay ou lésbica ou trans binária dizendo que "não precisa desses rótulos". E, da mesma forma, é fácil ver pessoas desses grupos e ocasionalmente de outros (bi, assexuais, não-bináries) fazendo esse discurso quando o assunto são identidades mais específicas.

Devo ressaltar que pessoas bi ainda são muito invisibilizadas. E pessoas (que se dizem apenas) assexuais e não-binárias ainda estão lutando por alguma visibilidade. Mas até mesmo esses grupos fazem coro contra identidades multi, a-espectrais e n-b. Já falei sobre reducionismo identitário aqui no blogue.

Então vamos a tudo que me incomoda muito nesse discurso de sem rótulos: o quanto ele é usado para silenciar pessoas, diminuir ou anular experiências, ignorar realidades e fenômenos que envolvem opressões, e fazer hierarquias entre quais identidades são "realmente políticas" e quais demandas são "mais relevantes".

E, afinal, de onde vem essa rejeição ao rótulo? Isso é justificável? É ignorância política? É apenas preconceito com experiências mais incomuns? São coisas a se pensar.

Se você quer seguir sem rótulos e isso funciona pra você, muito bem. Isso só é um problema quando parte de fatores problemáticos e quando vira uma arma contra gente com vivências e demandas ignoradas ou desmerecidas.

3 de fev. de 2020

Questões geracionais

AC: etarismo.



Um conflito muito comum dentro de movimentos sociais e espaços de ativismo são perspectivas diferentes por causa das gerações. Nossa história - enquanto comunidade e movimento social - pode ser considerada recente; porém, temos aí diversas gerações da comunidade existindo juntas (e mais estão por vir).

Apesar de que atualmente a juventude esteve tendo uma ênfase nas discussões e conquistando voz e local crescentes, gerações "passadas" - em especial década de 1980 pra trás - ainda se fazem presentes em muitas organizações evidentes para o movimento e a comunidade, além de certos espaços também evidentes.

Gerações diferentes acabam tendo experiências diferentes principalmente em questão do quanto as discussões e os cenários político-sociais avançam (ou não).

A parte identitária, em especial, tem uma grande diferença. Enquanto ainda há pessoas que vieram da época em que a sigla era GLS e termos como homossexual e transexual eram descritores de "toda" diversidade, nos dias atuais nos deparamos com muitas siglas e inúmeras identidades que descrevem diversas experiências de orientação-gênero-sexo.

E então a juventude acaba tendo seus conflitos com a ignorância e o reacionarismo de pessoas de mais idade.

Por outro lado também, as gerações anteriores costumam sofrer muitos ataques de viés etarista. Estamos vivenciando uma espécie de culto à jovialidade (não só na área social), o que coloca pessoas mais velhas como "menos capazes" ou "menos mente aberta" ou mesmo desnecessárias para contribuir com avanços sociais.

Penso que a experiência e o conhecimento das gerações anteriores são muito importantes. Desconsiderar isso é desconsiderar vivências e tudo que aquelus que vieram "antes" construíram.

Da mesma forma que abrir-se para questões mais atuais é essencial para acompanhar as mudanças e se articular, por mais rápidas que sejam. E eu vejo uma grande resistência a isso pelas gerações anteriores.

As gerações precisam aprender a dialogar entre si, e isso envolveria largarem de seus reacionarismos e etarismos, procurarem encontrar afinidades, trocarem informação e conhecimento, e entrarem em acordos.

Dicisheterossexismo ainda é uma realidade, ainda existe, e ainda há grupos dispostos a manter e fortalecer essas opressões. Isso, acredito, já deveria ser um grande ponto em comum entre todas as gerações. Os retrocessos estão aí para todes nós.

Como exatamente criar esses diálogos entre as gerações, não tenho uma resposta definitiva. Mas começar por pontos em comum pode ser um bom caminho.