31 de mai. de 2018

Não-binariedade: Expressões

Assim como há rótulos de identidades e orientações, há também para as diversas expressões de gênero que pessoas não-binárias podem ter. Lembrando que a expressão representa comportamento, aparência e vestimentas. Os termos aqui não são identidades em si, são apenas descritores disponíveis para quem quiser.



Cerul: a palavra vem de cerúleo (uma tonalidade de azul). O termo pode ser usado por pessoas não-binárias que se apresentam de uma maneira tradicionalmente feminina sem necessariamente serem lunarianas.


Vermil: a palavra vem de vermelhão. O termo pode ser usado por pessoas não-binárias que se apresentam de uma maneira tradicionalmente masculina sem necessariamente serem solarianas.


Pelte: a palavra vem de peltre (uma tonalidade de cinza). O termo pode ser usado por pessoas não-binárias que se apresentam de uma maneira andrógina sem necessariamente serem estelarianas.


Viride: a palavra vem de viridiano. O termo se refere a pessoas não-binárias que se apresentam de uma maneira que rejeita totalmente quaisquer descrições tradicionais binárias. Também pode se aplicar a toda pessoa que não se encaixa nos outros termos mais específicos.


Inde: a palavra vem de índigo. O termo se refere a pessoas não-binárias que se apresentam de uma maneira que combina características tradicionalmente femininas e masculinas e andróginas. Também pode se aplicar a toda pessoa que não se encaixa nos outros termos mais específicos.


Fux: a palavra vem de fúcsia. O termo se refere a pessoas não-binárias que se apresentam de uma maneira que combina características tradicionalmente femininas e masculinas.


Lavam: a palavra vem de lavanda (uma tonalidade de roxo). O termo pode ser usado por pessoas não-binárias que se apresentam de uma maneira entre o tradicional feminino e o andrógino.


Cinabe: a palavra vem de cinabre (um mineral vermelho). O termo pode ser usado por pessoas não-binárias que se apresentam de uma maneira entre o tradicional masculino e o andrógino.




27 de mai. de 2018

Falácias da lógica

É comum nas discussões atuais haver perspectivas diferentes mesmo para temas considerados simples. E temas complexos exigem opiniões mais bem elaboradas, construídas dentro de pontos relevantes e coerentes. A modernidade deu início a uma era de discussões que podem ser iniciadas por todes ou onde todes podem participar, o que sinceramente acho ótimo.

Porém não é um fenômeno moderno pessoas que praticam uma desonestidade intelectual para ganhar discussões, utilizando uma série de argumentações furadas ou inválidas: as falácias da lógica. Pessoas cometem falácias sempre no intuito de vencer uma discussão, mesmo que não façam isso motivadas por arrogância ou malícia.

Todes nós podemos usar essas falácias sem percebermos. Por isso esse artigo serve para ajudar a identificar as falácias que nos dizem e que nós podemos dizer.



Falso dilema / Preto-ou-branco: apresentar apenas duas possibilidades numa situação, sendo que há mais de duas.
Exemplo: quando defendem que gênero é determinado pela biologia e quando rebatem que gênero é apenas uma construção social.
Explicação: embora o gênero ainda esteja sendo estudado, está elucidado com os conhecimentos atuais que é uma característica biopsicossocial; ou seja, nem determinismo biológico ou determinismo social estão certos.

Apelo à natureza: afirmar que algo é bom e válido pelo simples fato de ser "natural".
Exemplo: alegar que está na natureza do homem (cis) ser agressivo, porque está no cérebro do "sexo masculino".
Explicação: é questionável se há realmente um fator neurológico que pré-dispõe o homem cis a ser agressivo. Mas de qualquer forma agressividade pode ser controlada e não deve ser estimulada, tanto pelo bem da própria pessoa quanto des outres ao redor. E nem todo homem mostra-se agressivo desde criança.

Ambiguidade: usar uma linguagem ou discurso que podem ter mais de uma interpretação, para depois se defender frente a algum questionamento.
Exemplo: é o caso de quando um ativista está fazendo um discurso sobre a comunidade LGBTQIAPN+ e aí diz que a comunidade é composta por "lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, toda pessoa fora de alguma norma", mas então o cobram inclusão de queers, a-espectrais, intersexos, poli, pan e não-bináries, e ele rebate dizendo que se encaixam em pessoas fora das normas.
Explicação: ele começa descrevendo só os quatro segmentos mais falados, e em seguida utiliza uma frase que poderia ser apenas uma refirmação dos segmentos, ou mesmo uma tentativa de inclusão, o que se torna duvidoso pelo rumo do discurso.

Espantalho: distorcer o argumento para então atacá-lo.
Exemplo: quando há propostas de se ensinar nas escolas sobre a existência de pessoas heterodissidentes e trans, opositories costumam rebater afirmando que isso "ensinará as crianças a serem gays e trans".
Explicação: falar sobre uma diversidade existente e natural não implica em obrigar as pessoas a serem o que evidentemente não são. A atração e o gênero são experiências íntimas e complexas, é muito absurdo pensar que crianças serão influenciadas por uma aula sobre respeito e tolerância.

Carteirada / Apelo à autoridade: usar uma figura ou instituição para fortalecer ou validar um argumento.
Exemplo: afirmar que a transgeneridade é um transtorno mental porque a OMS a define como tal.
Explicação: a OMS já classificou homossexualidade como doença e a retirou após revisões críticas quanto às pesquisas usadas como fundamento para essa medida. Nada impede de ser o mesmo caso com a transgeneridade (e isso está sendo feito e tendo resultados favoráveis).

Causa falsa: afirmar que dois eventos foram a causa um do outro porque ocorreram ao mesmo tempo.
Exemplo: no início da epidemia de HIV, foram reportados apenas casos de infecção entre homossexuais. Logo, concluiu-se que ser homossexual levaria a pessoa a ter HIV.
Explicação: a infecção também surgiu entre heterossexuais.

Anedótica: usar uma experiência pessoal (mesmo que duvidosa) em vez de um argumento sólido.
Exemplo: um homem narra que uma vez conheceu uma mulher que para se vingar do ex-namorado (amigo do narrador), inventou que foi estuprada. E foi comprovado que era mentira. Então ele afirma que toda acusação de estupro deve ser duvidosa.
Explicação: experiências pessoais dificilmente podem ser "confirmadas". Mas de todo modo, apontar uma mulher que mentiu entre milhares de outras que são comprovadamente vítimas de abuso e colocá-la como regra geral é uma imensa desonestidade.

Ladeira escorregadia: afirmar que um evento pode levar a outro no futuro, ambos sem conexão.
Exemplo: quando afirmam que se permitir que casais homoafetivos adotem crianças logo será permitida a pedofilia.
Explicação: homossexualidade e pedofilia não tem nenhuma ligação. Inclusive a grande maioria dos casos de pedofilia é cometida por héteros.

Generalização grosseira: pegar poucos casos específicos e torná-los numa regra geral.
Exemplo: existem casos de travestis que praticam assaltos à noite. Com isso, muita gente afirma que travestis são todas assaltantes.
Explicação: toda generalização é infundada. E nesse caso em específico, nenhuma identidade de gênero faz com que a pessoa assalte.

Ônus da prova: esperar que a outra pessoa prove que você está errado, ao invés de você provar que está certo.
Exemplo: alguém afirma que ainda existem dinossauros, e como ninguém consegue provar o contrário, sua afirmação é verídica.
Explicação: é cientificamente e historicamente comprovado que estão extintos, mas, em todo caso, da mesma forma a pessoa também não teria como provar que ainda existem.

Apelo à emoção: utilizar emoções ao invés de um argumento sólido.
Exemplo: dizer para uma pessoa lésbica que ela não deve se assumir porque a família ficaria triste por ela não ser o que esperavam.
Explicação: o que a família vai sentir ou não é problema dela, e não é mais importante que o bem-estar da pessoa.

Tu quoque: responder uma crítica com outra crítica.
Exemplo: quando alguém critica um candidato à presidência por não entender o básico de economia, e então rebatem a crítica dizendo que o presidente anterior também não entendia.
Explicação: uma crítica deve ser respondida com uma solução. Responder com outra crítica não fornece solução, desvia o foco e ainda mostra total falta de argumento.

Ad hominem: atacar uma característica ou caráter da pessoa para desmerecer seu discurso.
Exemplo: uma pessoa que veio da periferia defende a legalização da maconha, e então a atacam afirmando que ela defende isso porque "veio da favela" e lá as pessoas "usam drogas".
Explicação: a origem da pessoa não tem nada a ver, pessoas de outras classes também defendem a legalização, e essa questão toda envolve benefícios sociais comprovados, como combater o tráfico e o uso indiscriminado das drogas.

Argumentum ad Logicam / Falácia da falácia: afirmar que uma argumentação é inválida por ter sido iniciada a partir de uma falácia.
Exemplo: quando ativistas afirmam que meninos desde sempre afeminados revelam-se gays depois, e que portanto ser gay é algo natural e inevitável. Mas a existência de meninos antes afeminados que são atualmente héteros faz a oposição desacreditar da naturalidade da homossexualidade.
Explicação: é mesmo incorreto (e problemático) afirmar que todo menino "afeminado" será gay no futuro, mas isso não implica que a homossexualidade não pode ser natural.

Argumentum ad Antiquitatem: dizer que algo é bom e válido apenas porque existe há muito tempo.
Exemplo: situação típica em que ume conservadore diz que "não tem nada contra homossexualidade", mas que antigamente heterodissidentes não apareciam trocando afeto em público, e que isso deve ser mantido por ter sido "sempre assim", e que há "algum motivo" para ter sido assim.
Explicação: esse mesmo cenário mostra a opressão contra pessoas heterodissidentes que as faz se esconder da sociedade, como se seu afeto e sua forma de ser fossem errades, desagradáveis.

Argumentum ad Novitatem: dizer que algo é bom e válido apenas porque é recente.
Exemplo: pode ser o caso do uso de x para tentar criar uma linguagem neutra.
Explicação: muita gente usa o x sem ter consciência da inclusão de pessoas não-binárias, e mesmo quando têm acabam impondo somente essa linguagem a elas, o que não melhora a situação.

Pergunta carregada / Falácia da pressuposição: formular uma pergunta já afirmando alguma coisa que é mentira ou não totalmente certa.
Exemplo: quando um parente de uma menina hétero de expressão masculina pergunta se "ela já se assumiu lésbica para a mãe".
Explicação: a pergunta já foi feita com a acusação, que no fim nem é verdade, e foi baseada unicamente na expressão da menina.

Ad hoc: explicar um fato após ter ocorrido, mas essa explicação não se aplica a outras situações.
Exemplo: ocorre um caso de agressão contra uma pessoa gay, mas análises e testemunhos de todas as partes comprovam que não houve crime de ódio envolvido. E então pegam esse caso para afirmar que agressões motivadas por ódio não existem.
Explicação: é comprovado que a grande maioria das agressões contra pessoas gays teve alguma motivação, primária ou não, de ódio contra a sexualidade delas.

Ad populum: tentar validar algo apenas porque uma maioria faz ou concorda com aquilo.
Exemplo: quando tentam convencer alguém que ser travesti é errado só porque nem as famílias ou a sociedade aceitam uma travesti.
Explicação: considerando que o cissexismo é sistêmico e estruturado na sociedade, está explicado porque "a grande maioria" não aceita as travestis. O problema não são elas.

Argumentum ad Baculum: tentar forçar a aceitação de um argumento através de algum tipo de ameaça.
Exemplo: dizer que aceitar gays e lésbicas vai aumentar o número de homossexuais, e em breve a população vai entrar em extinção.
Explicação: já é absurdo afirmar que gays e lésbicas vão se multiplicar apenas pela homossexualidade ser aceita, além de desconsiderar que elus podem se reproduzirem e que a população mundial sequer está perto de ser extinta.

Argumentum ad Ignorantium: afirmar que algo é verdadeiro/falso apenas porque não foi provado o contrário.
Exemplo: afirmar que Deus existe porque a ciência não conseguiu desaprovar sua existência.
Explicação: o mesmo raciocínio pode ser sempre aplicado à argumentação da pessoa.

Circulus in Demonstrando: colocar uma premissa como a conclusão, assim a linha de raciocínio apenas anda em círculo.
Exemplo: dizer que travestis não devem ser professoras. Porque muitas famílias não vão aceitar sues jovens tendo aulas com uma travesti. Pela moral e bons costumes, travestis não devem ser professoras.
Explicação: o problema não é a travesti, é o preconceito das famílias, mas o raciocínio coloca a travesti como a raiz do problema.

Meio-termo: dizer que uma posição que se encontra entre dois extremos é a verdade.
Exemplo: numa discussão sobre o uso dos banheiros por pessoas trans, um grupo defende o banheiro sem gênero, e o outro discorda dizendo que pessoas trans devem usar o banheiro "correspondente" ao gênero de registro. Então uma pessoa propõe que haja um terceiro banheiro, exclusivo para pessoas trans.
Explicação: embora, por um lado, esse banheiro possa oferecer um pouco mais de segurança física às pessoas trans, no fim ele se torna mais uma forma de segregar a população, negando ainda sua identidade ("nem homem, nem mulher, só trans").

Incredulidade pessoal: não considerar que um argumento seja verdadeiro por ele ser difícil de entender.
Exemplo: quando se explica que gênero é uma experiência complexa e uma característica construída ao longo da vida, e que por isso pode haver outras possibilidades além de homem e mulher, mas a pessoa acha "difícil" existir gêneros além dos binários, e com isso define que não-binariedade é apenas uma invenção.
Explicação: se a pessoa prefere enxergar algo complexo como gênero de forma simplista (como reduzi-lo a algo determinado por genitálias), ela não vai aceitar transgeneridade, mesmo que seja uma vivência comprovada como subjetiva e real.

Falácia de divisão: concluir que a propriedade das partes de um objeto é também do objeto inteiro.
Exemplo: uma pessoa vai numa roda de conversa e descobre que a maioria ali presente é soropositiva, concluindo que deve ser uma reunião sobre HIV.
Explicação: o fato de haver uma maioria soropositiva não implica que a natureza da roda de conversa é sobre o vírus, vivências, saúde, e qualquer outra coisa relacionada.

Falácia de composição: concluir que a propriedade de um objeto inteiro é a mesma de suas partes.
Exemplo: quando se afirma que alguém é de classe alta por estudar numa instituição particular e conhecida por pessoas ricas.
Explicação: a instituição pode ter uma bolsas de estudos.

Non sequitur: deduzir um fato derivado de uma premissa sem haver conexão ou sentido.
Exemplo: uma pessoa doente começa a frequentar uma igreja, uma semana depois se cura, e com isso afirma que Deus a curou.
Explicação: pode ter havido muitos fatores que a fez se curar.


19 de mai. de 2018

Não-binariedade: Elementos

Outro conceito formulado para explicar experiências e identidades não-binárias é o de elemento de gênero. O elemento é uma característica que de alguma forma interage com o próprio gênero, algo conectado a algum conceito - masculinidade, feminilidade, etc. Pode também interagir com a expressão de gênero da pessoa.

Pode ser bem útil para pessoas que tem um gênero e/ou uma expressão de gênero ligades a uma qualidade, mas sentem em seu íntimo uma qualidade diferente (ex: uma pessoa agênero com expressão masculina, mas que se sente feminina, alguém próxime da feminilidade).

Lembrando que esses termos não são identidades em si, apenas descrições que podem ser usadas para explicar melhor toda a identidade de gênero da pessoa. É um conceito acessível também às pessoas binárias (ex: um homem afeminado pode ser uma pessoa com elemento de gênero feminino, mesmo tendo identidade de gênero masculina).



Ferviane: um elemento que é masculino ou relacionado com masculinidade.


Eluviane: um elemento que é feminino ou relacionado com feminilidade.


Telusiane: um elemento que não é masculino, feminino, ou xenino. Pode ser usado para um elemento neutro, mas não se limita somente a isso.


Ventuliane: um elemento que não é bem definido. Pode ser algo fluído, que muda constantemente; ou algo tão vago que não pode ser identificado.


Alteriane: um elemento que é xenino, ou seja, não está relacionado com as concepções comuns de gênero.


Vociviane: pessoa que não tem ou rejeita elementos.




E por hoje é só!



16 de mai. de 2018

Heterodissidentes e as normas de gênero

Muito se fala que orientação sexual e identidade de gênero são coisas diferentes e que não tem nada a ver uma com a outra. A opressão contra pessoas que não são hétero é uma, a opressão contra quem não é cis é outra. Ponto final.

Não, não vou negar os conceitos e nem que as opressões contra pessoas heterodissidentes e pessoas transgêneros são específicas e singulares. Mas não posso deixar de notar que esses discursos trazem uma visão distorcida sobre a história da heterodissidência no mundo.

Nem faz tanto tempo que a noção social era que homens e mulheres "de verdade" eram apenas hétero. O resto era... o resto. Tinha homens, tinha mulheres, e aí vinham homossexuais, transexuais, e etc. Mesmo hoje esse pensamento perdura. É tão bizarro, porque toda a população tem em seus documentos um sexo/gênero marcado como ou masculino ou feminino. Porém, socialmente, o gênero documental era simplesmente ignorado em função da sexualidade e também da expressão de gênero do indivíduo.

Tendo isso em mente, não seria equivocado afirmar que pessoas heterodissidentes também desafiaram as noções de gênero, não apenas as sexuais. E não falo especificamente de homens afeminados ou mulheres bofinhos, falo de todes heterodissidentes. O simples fato de estar fora da heterossexualidade, até então combinada "perfeitamente" com a cisgeneridade, não apenas desafiou as normatividades como contribuiu para a separação dos conceitos.

Foi então que se percebeu que homens aquileanos e mulheres sáficas ainda eram homens e mulheres, tão homens e mulheres quanto héteros. Ser heterodissidente teve a ver, até certo ponto, com gênero. E foi algo bem positivo. Abriu-se discussões sobre sexualidade e gênero.

Se a heterodissidência é uma afronta à heteronormatividade, e a heteronormatividade está entrelaçada com a cisnormatividade, então não é nada surpreendente que pessoas não-hétero tenham atacado, até certo ponto, a própria imposição de gênero.

Isso tudo sem contar que muites heterodissidentes foram ou são não-conformistas de gênero, pessoas com uma expressão de gênero não esperada pela sociedade.

A orientação sexual e a identidade de gênero são características separadas. Isso é um fato. Mas as imposições sexuais e de gênero estão aí, misturadas e jogadas na cara de todes. Ume desviante do sistema é sempre uma ameaça completa - no caso, um sistema heterossexista e cissexista.


12 de mai. de 2018

Cidadão de bem

Mis parentes tiveram contato por muitos anos com uma pessoa que resume esplendidamente o famigerado cidadão de bem. Não queria falar dele, mas não há como. Ele traía a esposa, teve um filho fora do casamento, já deixou a mãe doente sozinha dentro de um carro por horas, xinga a própria filha de gorda o tempo todo, e já comprou um juiz para se safar de um processo.

E aí fica no Facebook postando mensagens de amor para a esposa falecida e compartilhando conteúdo espírita. Junto com tudo isso faz ainda os típicos discursos reacionários, além de apoiar um conhecido político fascista. Como ele já se chamou? Isso mesmo: cidadão de bem.

"Ah, mas não podemos generalizar."

Na boa, generalizo sim porque até agora não vi uma única pessoa que se dizia "de bem" que não fosse desprezível igual ao sujeito que tive o imenso desprazer de conhecer.

Quando falam cidadão de bem estão falando de qualquer gênero. Mas não farei questão de usar neolinguagem para esse tema. Faço questão de usar a palavra masculina considerando que a grande maioria que faz esse discurso é homem cis.

O pacote do cidadão de bem inclui ser:

- cristão e anti-"comunismo" (dar tudo que tem aos pobres é uma ideia bem capitalista, né?)
- a favor da família tradicional (mesmo traindo cônjuge e destratando a própria família)
- contra a corrupção (mesmo votando em figuras corruptas e praticando certas corrupções)
- armamentista (mesmo não tendo treinamento e autocontrole até numa conversa de bar)
- "pró-vida" e a favor da pena de morte (foda-se a lógica)
- contra direitos de minorias (bom, a grande maioria é homem hétero-cis branco, né?)
- defensor de espancar criança pra educar (mesmo a pedagogia internacional sendo contrária)

Lindo pacote, né? E ainda vem amarrado com um laço vermelho, da mesma cor do sangue das pessoas que os discursos de ódio dos "cidadãos de bem" derramam.

O cidadão de bem é um personagem que reflete perfeitamente tudo de podre das gerações anteriores, tudo de ruim que agora está saindo escandalosamente. E um fato histórico tragicômico para finalizar: "cidadão de bem" era o nome de um jornal da Ku Klux Klan onde atacavam direto a população negra com discursos baseados na Bíblia.

Dica: fujam dessas pessoas que falam que são "um cidadão de bem". Cidadão até são, mas de bem... nem aqui, nem num universo paralelo.



9 de mai. de 2018

Peça: Cabaret TransPeripatético


A peça Cabaret TransPeripatético estreou dia 4 de maio agora, numa sexta-feira. Seu elenco é composto totalmente por pessoas transgênero. A obra foca nas pessoas trans e seus desafios na busca da individualidade e da liberdade de ser e existir numa sociedade violenta e normativa.

Es atories tiveram total autonomia sobre sues personagens e falas, pois na maior parte do tempo interpretaram a si mesmes; colocaram suas próprias vivências nas cenas, mesmo que misturassem com alguma performance. E também interpretaram outras personalidades. Usaram de uma maneira emocionante e refinada suas experiências e seus corpos para expressar quem são, o que passaram, o que desejam - sua humanidade.

Momentos de risadas e descontração, momentos dramáticos, relatos de pessoas não ouvidas, corpos marginalizados falados e mostrados, mensagens de autoaceitação e respeito, um forte discurso político, tudo isso faz parte da fórmula que torna a peça um grande símbolo de resistência e sobrevivência da população T.

Recomendável para todes, para as pessoas cis que queiram um contato artístico com o mundo trans, e para as pessoas trans binárias e não-binárias que queiram se sentir representadas num humilde espaço teatral. Garanto que a peça jogará muita luz e cores na noite de quem for assisti-la.




5 de mai. de 2018

Não-binariedade: Alinhamentos

Hoje vou falar especificamente sobre os alinhamentos de gênero. Assim como há rótulos para identidades, há também para alinhamentos. Esses termos não são identidades em si, apenas descrições que podem ser usadas para explicar melhor as experiências de gênero de alguém.

Lembrando que esse conceito é útil apenas para pessoas não-binárias. Gênero é um tópico complexo e abstrato, por isso alinhamento pode ser algo difícil de entender, principalmente por pessoas binárias.

É muito comum não-bináries terem alinhamentos com homens, mulheres, ou ambos esses gêneros porque são os únicos gêneros validados, como também todes são socializades dentro deles. Acaba sendo frequente pessoas designadas homens ou mulheres encontrarem semelhanças ou ligações com os gêneros binários, mesmo que sejam estereótipos ou experiências até negativas.

O conceito de alinhamento foi feito para tentar preencher um vazio nas identidades de pessoas n-b, mesmo quando seus gêneros e/ou suas experiências são parecides com homens e mulheres, já que a existência não-binária ainda é complexa perto da binariedade.

E podem existir alinhamentos com gêneros não-binários porque as pessoas buscam características desses gêneros para si, ou também têm experiências que as conectam com eles, mesmo que não se reconheçam intimamente como desses gêneros. Lembrando também que o alinhamento pode ou não influenciar da identidade de gênero em si.



Solariane: em várias culturas o Sol é associado com o homem ou masculinidade. Ume solariane é alguém que tem similaridades em experiência ou identidade com homens. Esse termo serve como uma alternativa para descrever uma pessoa alinhada com o gênero binário masculino.


Lunariane: em várias culturas a Lua é associada com a mulher ou feminilidade. Ume lunariane é alguém que tem similaridades em experiência ou identidade com mulheres. Esse termo serve como uma alternativa para descrever uma pessoa alinhada com o gênero binário feminino.


Estelariane: com tantas identidades e apresentações assim como as estrelas no céu, ume estelariane é alguém que não tem alinhamento (forte) com os gêneros binários ou mesmo que rejeita alinhamento com ambos, restringindo-se a alinhamentos com gêneros não-binários.


Eclipsiane: combinação de solariane e lunariane. Ou seja, a pessoa tem alinhamento com o gênero masculino e o gênero feminino.


Nebulariane: combinação de lunariane e estelariane. Ou seja, a pessoa tem alinhamento com o gênero feminino e um ou mais gêneros não-binários.


Novariane: combinação de solariane e estelariane. Ou seja, a pessoa tem alinhamento com o gênero masculino e um ou mais gêneros não-binários.


Galaxiane: combinação de solariane, lunariane e estelariane. Ou seja, a pessoa tem alinhamento com o gênero masculino, o gênero feminino e um ou mais gêneros não-binários.


Auroriane: conexão parcial com solariane.


Crepusculiane: conexão parcial com lunariane.


Celestiane: conexão parcial com estelariane.


Singulariane: ausência de alinhamento, rejeição total a identidades e alinhamentos, sendo uma existência num plano separado de todos os alinhamentos.


Abaixo um gráfico simplificando todos os rótulos de alinhamentos galácticos.


Xenique: uma pessoa cujo alinhamento não está dentro do binário de gênero e nem nas experiências consideradas humanas. Ao invés de qualidades, essa experiência só pode ser descrita por conceitos, sentimentos, animais, plantas, estéticas e outras coisas não relacionadas a gêneros.




Explicando um pouco mais sobre os alinhamentos galácticos, essa temática de espaço (ou universo) foi usada porque o espaço em si não tem gênero, mesmo que culturas tenham associado elementos espaciais com qualidades. Além disso, identidades n-b já foram muito associadas com espaço (tirando Sol, Lua, Marte, Vênus). Por isso criou-se essas terminologias espaciais, que foram muito bem recebidas pelas comunidades n-b anglófonas.

Também começarei a usar esses termos, principalmente solariane e lunariane, para assim ficar mais prático falar de pessoas n-b alinhadas com homens e mulheres.

E por hoje é só!



2 de mai. de 2018

Tudo começa numa piada

Há muito tempo encontrei esse método de medir o preconceito numa sociedade. Foi desenvolvido por um psicólogo chamado Gordon Allport. Detalhe: isso foi desenvolvido em 1954. E pensar que já naquela década uma pessoa havia pesquisado e definido bem os níveis do preconceito, como começa e até que ponto pode chegar.


Achei interessante divulgar. Não apenas por ser um tema atual, como também não pude deixar de lembrar das inúmeras postagens e discussões já feitas sobre as piadas com minorias. Muita gente tem dificuldade de perceber que as piadas são o primeiro passo de uma opressão ativa. E elas também auxiliam a sustentar determinada opressão.

As piadas criam ideias, ideias que tornam um grupo de pessoas como algo ridículo, algo dispensável, algo inferior. Essas ideias, quando muito sedimentadas na cabeça, criam sentimentos de antipatia e desprezo. E assim por diante (acredito que não preciso dissertar sobre o que está escrito no gráfico).

Isso é apenas uma informação sobre o cenário atual das minorias. Quase todos os grupos já atingiram o nível 5. Espero que isso possa abrir mentes, fazer pessoas enxergarem melhor toda a dimensão dessa questão. Sim, tudo começa numa piada...