24 de jun. de 2019

Parada LGBT 2019

AC: silenciamento e exclusão, situações envolvendo crimes e violência.



Mais uma vez decidi me aventurar nesse evento controverso: a Parada LGBT(+?) de São Paulo. E por que raios fiz isso após toda desgraça das paradas anteriores (furto, bolo, colega inconsciente jogado pra fora do trio)? Bem, razões puramente políticas, tudo apenas por uma militância na qual acredito.

Nem me refiro ao cenário político atual, que, com certeza, deve ter deixado muita gente acuada. Agora depois de todo desastre e da incompetência descomunal do novo (des)governo, e após a criminalização da homofobia/homotransfobia/LGBT(I)fobia (não sei dizer com precisão o que foi criminalizado rs), a população LGBT+ pode ter dado uma relaxada e ido curtir com mais prazer a (suposta) maior Parada do mundo.

Bem, aqui falarei dentro dos âmbitos pessoal e militante: eu... gostei da Parada! Sério, de verdade, essa Parada deu certo e foi boa. Continuo não curtindo agitação, muvuca e música alta. Mas esse ano, assim como no anterior, foi diferente: fui no bloco do meu outro GT, o BiPanPoli+, que promoveu o bloco que, ouso dizer, era o mais diversificado e inclusivo e politizado do evento.

Como muitos espaços multi, nosso espaço tinha a proposta de englobar todes. E quando falamos todes, nos referimos a todes mesmo. Teve muita gente não-binária e a-espectral por lá. Foi tudo gostoso, andamos de boa, e fomos marchando com muitas bandeiras e faixas - incluindo uma faixa sobre estarmos resistindo ao silenciamento; uma indiretinha pra uma certa organização que faz um certo evento que até hoje silencia pessoas multi e favorece mais o segmento G.

O situação é tão grave que minha motivação (e talvez do resto do bloco) era muito mais a resistência e representação dentro da própria comunidade do que fora dela. Já temos um governo fascista e um mundo hostil, e ainda precisamos conquistar espaço dentro de grupos ditos LGBT(+?).

Sem entrar em mais detalhes, eu amei estar naquele bloco. Foi melhor que estar no trio da Parada anterior. E mais uma vez esse GT se mostra como mais contemplativo pra mim e mais alinhado com o que acredito.

O que eu teria mais para comentar seriam... bem, os problemas de sempre e mais outras coisinhas.

Como todo ano, rolam furtos, assaltos, brigas e ocorrências. No entanto, me pareceu que esse ano se intensificou e a segurança estava ainda mais falha. Muitas pessoas apontaram que o evento está cada vez trazendo mais e mais gente e não se prontifica a se preparar para esse número. Teve casos de pessoas desmaiando ou sendo esmagada em multidões. E casos de violência pesada.

E outra coisa que não pude deixar de notar foi em relação às atrações do evento. Tivemos muita gente cis hétero de fora da comunidade aparecendo e se apresentando em vez de pessoas da própria comunidade, o que ainda coloca em risco o propósito do evento. E teve a polêmica do camarote de Daniela Mercury, com um ingresso caríssimo e uma representatividade superficial.

Essas serão questões pra instituição da Parada. E ainda haverá muitas reclamações de quase todos os GTs, com seus devidos motivos de insatisfação.

Pra finalizar, um conselho: invistam mais em eventos como marchas trans, caminhada de mulheres sáficas, e etc. Esses podem compensar o que a Parada continua se recusando a fazer direito mesmo que por um dia. E pra quem quiser ver como foi o bloco, confiram no meu instagram.

Status: me sentindo orgulhose do meu GT e de mim mesme!

15 de jun. de 2019

Identidades problemáticas

AC: machismo, monossexismo, elitismo, capacitismo, trolls.



Eu defendo muito o direito das pessoas de se auto-identificarem como querem. E vou continuar defendendo. Não me apego a argumentos como que isso dificulta o entendimento das massas, a articulação do movimento, a inclusão em políticas públicas, etc.

Porém, claro que existem identidades que podem e devem ser questionadas quando possuem um viés problemático, ainda mais quando reforçam alguma opressão ou atacam alguém ou um grupo. Isso existe e costuma ser muito difundido de má fé no meio virtual.

Vou dar dois exemplos de identidades problemáticas e explicar o motivo de serem.

Goy (ou G0y): define um homem cis que se declara heterossexual, mas que pode ter relações sexuais com outros homens, tendo sempre um papel de ativo e sem envolvimento afetivo (apenas com mulheres).

Motivo: talvez eu nem precise explicar com detalhes o por que essa identidade é... ridícula. Mas vamos lá. É evidente o quanto a identidade parte de princípios machistas de reafirmação de "masculinidade", principalmente pela ideia de que ser ativo é um papel "de homem", o que, absurdamente, consegue isentar o cara de ser julgado mesmo transando com outros homens. E, por fim, o óbvio apagamento bissexual (não que todos realmente sejam, mas o fato de um homem ter relações sexuais com homens e mulheres e se dizer hétero já é um prato cheio pro monossexismo).

Sapiossexual: pessoa que sente atração sexual por pessoas inteligentes, cuja atração é despertada por inteligência, que se atrai sexualmente pelo intelecto de alguém.

Motivo: inteligência é um tanto abstrata e tem muita construção higienista envolvida. A ciência categoriza até então nove tipos de inteligência, que estão presentes em todes. O que muita gente encara como inteligência é mais uma demonstração da pessoa ser muito informada e ter raciocínio lógico rápido e amplo. Só nesse aspecto podemos refletir no quanto pessoas com pouco acesso à educação e pessoas com neurodivergências que afetam a capacidade cognitiva são automaticamente excluídas dessa tal atração por intelecto. Combo de elitismo e capacitismo.

Não podemos levar a sério também tuuudo que vemos por aí, ainda mais na Internet. Identidades absurdas surgem vez ou outra. E, infelizmente, muita gente cai nessas armadilhas de trolls e reaças que tentam deslegitimar as pautas da comunidade LGBTQIAPN+.

Há invenções tão banais que imediatamente mostram que são chacotas. E há outras (como sapio) que devem ser bem analisadas para revelar sua natureza problemática. Prestem atenção, tomem cuidado! E não alimentem trolls. ^^

11 de jun. de 2019

Modalidade de gênero

Descobri esses dias bem ao acaso no Medium um texto apresentando um novo conceito: modalidade de gênero. 

Formulado por uma pessoa transfeminina chamada Florence Ashley, o conceito serve para explicar a relação entre a identidade de gênero de alguém com seu gênero designado, levando em conta todos os fatores possíveis de influenciar essa relação.

Basicamente, as categorias de gênero - cis, trans, ipso, etc - são modalidades de gênero. Ainda é comum esses termos serem utilizados como se fossem a identidade de gênero em si ou parte intrínseca dela, sendo que são especificações da experiência pessoal de gênero da pessoa com o gênero imposto pelo sistema.

E o termo modalidade abrange outros grupos que podem não querer ou conseguir se encaixar como trans, que é o caso de algumas pessoas não-binárias e pessoas agênero.

Exemplificando o uso do conceito, um homem cis e homem trans são de modalidades de gênero diferentes, afinal suas relações com o gênero designado são diferentes, mas possuem a mesma identidade de gênero. Uma mulher cis e uma mulher ipso são de modalidades diferentes, pois mesmo que tenham a mesma identidade de gênero, o fator da corporalidade traz experiências diferentes com o gênero.

O conceito pode melhorar o vocabulário e as explicações referentes às experiências e discussões de gênero, sem cair na dicotomia cis x trans, incluir mais vivências (como de pessoas intersexo), e englobar as muitas culturas com noções diferentes de gênero.

Enfim, é um conceito muito útil e necessário. Passarei a adotá-lo e espero que sua divulgação seja ampla e que tenha ótima recepção.

Deixarei logo abaixo o texto e uma postagem de Florence explicando como cunhou o conceito (ambes em inglês):

6 de jun. de 2019

Tradução de linguagens

AC: exorsexismo, ações anti-neolinguagem.



Cá estou após um pequeno sumiço querendo abordar um assunto complexo, porém acredito que seja simples de explicar. E aqui quando falo de linguagens, me refiro às linguagens pessoais (e possivelmente universais), sejam pronomes ou conjuntos (como o modelo artigo/pronome/flexão que uso aqui no blogue).

Esses dias mesmo li um texto traduzido que falava de duas pessoas não-binárias transmasculinas indo numa praia. O texto fora escrito por uma delas. No final citava que ambas namoravam uma terceira pessoa, que foi referida como namorado. E também havia um adendo: a pessoa escreveu que tanto ela quanto a outra usavam pronomes they/them.

No entanto, o texto foi traduzido como se usassem a linguagem o/ele/o. Já escrevi um texto falando dessa questão complexa de traduzir ou adaptar um texto particular de uma pessoa que usa um pronome neutro (ou não associado com os gêneros binários) para uma língua como a nossa, com uma estrutura binária e sem um terceiro pronome/uma terceira opção de linguagem.

Como escrevi no texto e acho que comentei em algum artigo aqui, é possível usar o conjunto o/ele/o de forma "neutra", pois, gramaticalmente falando, esse conjunto é tanto masculino quanto neutro. E talvez por serem duas pessoas transmasculinas tenham achado mais adequado e sensato usar esse conjunto do que a/ela/a.

Mas a questão é que se essas duas pessoas optaram pelos pronomes they/them, então elas rejeitam pronomes "masculinos" (he/him). É uma atitude ética atribuir uma linguagem gramatical e socialmente masculina a essas pessoas?

Assim como escrevi no texto e acabo de falar, essa situação mostra um vácuo que temos entre uma língua binária como a nossa e uma língua mais neutra como o inglês.

Se não fosse permitido o uso de neolinguagem, a pessoa ou equipe que traduziu o texto poderia tentar a via da sintaxe neutra, evitando pronomes e flexões de gênero. Mas também compreendo que há textos difíceis de traduzir/adaptar dessa forma. Quanto maiores forem, mais exaustivo também. E isso não resolve nadinha o problema central aqui: a falta de mais opções de linguagem no idioma!

Neopronomes estão aparecendo em outros idiomas também. Em inglês temos ze, ve, ey, thon, entre muitos outros. Alguns mais conhecidos, outros não. Já li textos indicando que o pronome ze está tendo um crescente reconhecimento social.

E agora pergunto: como traduziremos esses novos pronomes? Vamos continuar separando todo mundo entre o/ele/o ou a/ela/a? Vamos usar sintaxe neutra pra todo mundo que não usa pronomes ou linguagens bináries? Vamos continuar fingindo que está tudo bem chamar de ele ou ela pessoas que usam they ou qualquer outro terceiro pronome de outros idiomas?

Por isso e outros motivos que acredito na validade e necessidade da neolinguagem. Não poderemos mais ignorar a limitação da nossa língua daqui a um tempo. Ou podemos até fazer isso e sermos reconhecides como uma língua exorsexista. Eu prefiro trabalhar por um futuro mais inclusivo.