27 de mai. de 2018

Falácias da lógica

É comum nas discussões atuais haver perspectivas diferentes mesmo para temas considerados simples. E temas complexos exigem opiniões mais bem elaboradas, construídas dentro de pontos relevantes e coerentes. A modernidade deu início a uma era de discussões que podem ser iniciadas por todes ou onde todes podem participar, o que sinceramente acho ótimo.

Porém não é um fenômeno moderno pessoas que praticam uma desonestidade intelectual para ganhar discussões, utilizando uma série de argumentações furadas ou inválidas: as falácias da lógica. Pessoas cometem falácias sempre no intuito de vencer uma discussão, mesmo que não façam isso motivadas por arrogância ou malícia.

Todes nós podemos usar essas falácias sem percebermos. Por isso esse artigo serve para ajudar a identificar as falácias que nos dizem e que nós podemos dizer.



Falso dilema / Preto-ou-branco: apresentar apenas duas possibilidades numa situação, sendo que há mais de duas.
Exemplo: quando defendem que gênero é determinado pela biologia e quando rebatem que gênero é apenas uma construção social.
Explicação: embora o gênero ainda esteja sendo estudado, está elucidado com os conhecimentos atuais que é uma característica biopsicossocial; ou seja, nem determinismo biológico ou determinismo social estão certos.

Apelo à natureza: afirmar que algo é bom e válido pelo simples fato de ser "natural".
Exemplo: alegar que está na natureza do homem (cis) ser agressivo, porque está no cérebro do "sexo masculino".
Explicação: é questionável se há realmente um fator neurológico que pré-dispõe o homem cis a ser agressivo. Mas de qualquer forma agressividade pode ser controlada e não deve ser estimulada, tanto pelo bem da própria pessoa quanto des outres ao redor. E nem todo homem mostra-se agressivo desde criança.

Ambiguidade: usar uma linguagem ou discurso que podem ter mais de uma interpretação, para depois se defender frente a algum questionamento.
Exemplo: é o caso de quando um ativista está fazendo um discurso sobre a comunidade LGBTQIAPN+ e aí diz que a comunidade é composta por "lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, toda pessoa fora de alguma norma", mas então o cobram inclusão de queers, a-espectrais, intersexos, poli, pan e não-bináries, e ele rebate dizendo que se encaixam em pessoas fora das normas.
Explicação: ele começa descrevendo só os quatro segmentos mais falados, e em seguida utiliza uma frase que poderia ser apenas uma refirmação dos segmentos, ou mesmo uma tentativa de inclusão, o que se torna duvidoso pelo rumo do discurso.

Espantalho: distorcer o argumento para então atacá-lo.
Exemplo: quando há propostas de se ensinar nas escolas sobre a existência de pessoas heterodissidentes e trans, opositories costumam rebater afirmando que isso "ensinará as crianças a serem gays e trans".
Explicação: falar sobre uma diversidade existente e natural não implica em obrigar as pessoas a serem o que evidentemente não são. A atração e o gênero são experiências íntimas e complexas, é muito absurdo pensar que crianças serão influenciadas por uma aula sobre respeito e tolerância.

Carteirada / Apelo à autoridade: usar uma figura ou instituição para fortalecer ou validar um argumento.
Exemplo: afirmar que a transgeneridade é um transtorno mental porque a OMS a define como tal.
Explicação: a OMS já classificou homossexualidade como doença e a retirou após revisões críticas quanto às pesquisas usadas como fundamento para essa medida. Nada impede de ser o mesmo caso com a transgeneridade (e isso está sendo feito e tendo resultados favoráveis).

Causa falsa: afirmar que dois eventos foram a causa um do outro porque ocorreram ao mesmo tempo.
Exemplo: no início da epidemia de HIV, foram reportados apenas casos de infecção entre homossexuais. Logo, concluiu-se que ser homossexual levaria a pessoa a ter HIV.
Explicação: a infecção também surgiu entre heterossexuais.

Anedótica: usar uma experiência pessoal (mesmo que duvidosa) em vez de um argumento sólido.
Exemplo: um homem narra que uma vez conheceu uma mulher que para se vingar do ex-namorado (amigo do narrador), inventou que foi estuprada. E foi comprovado que era mentira. Então ele afirma que toda acusação de estupro deve ser duvidosa.
Explicação: experiências pessoais dificilmente podem ser "confirmadas". Mas de todo modo, apontar uma mulher que mentiu entre milhares de outras que são comprovadamente vítimas de abuso e colocá-la como regra geral é uma imensa desonestidade.

Ladeira escorregadia: afirmar que um evento pode levar a outro no futuro, ambos sem conexão.
Exemplo: quando afirmam que se permitir que casais homoafetivos adotem crianças logo será permitida a pedofilia.
Explicação: homossexualidade e pedofilia não tem nenhuma ligação. Inclusive a grande maioria dos casos de pedofilia é cometida por héteros.

Generalização grosseira: pegar poucos casos específicos e torná-los numa regra geral.
Exemplo: existem casos de travestis que praticam assaltos à noite. Com isso, muita gente afirma que travestis são todas assaltantes.
Explicação: toda generalização é infundada. E nesse caso em específico, nenhuma identidade de gênero faz com que a pessoa assalte.

Ônus da prova: esperar que a outra pessoa prove que você está errado, ao invés de você provar que está certo.
Exemplo: alguém afirma que ainda existem dinossauros, e como ninguém consegue provar o contrário, sua afirmação é verídica.
Explicação: é cientificamente e historicamente comprovado que estão extintos, mas, em todo caso, da mesma forma a pessoa também não teria como provar que ainda existem.

Apelo à emoção: utilizar emoções ao invés de um argumento sólido.
Exemplo: dizer para uma pessoa lésbica que ela não deve se assumir porque a família ficaria triste por ela não ser o que esperavam.
Explicação: o que a família vai sentir ou não é problema dela, e não é mais importante que o bem-estar da pessoa.

Tu quoque: responder uma crítica com outra crítica.
Exemplo: quando alguém critica um candidato à presidência por não entender o básico de economia, e então rebatem a crítica dizendo que o presidente anterior também não entendia.
Explicação: uma crítica deve ser respondida com uma solução. Responder com outra crítica não fornece solução, desvia o foco e ainda mostra total falta de argumento.

Ad hominem: atacar uma característica ou caráter da pessoa para desmerecer seu discurso.
Exemplo: uma pessoa que veio da periferia defende a legalização da maconha, e então a atacam afirmando que ela defende isso porque "veio da favela" e lá as pessoas "usam drogas".
Explicação: a origem da pessoa não tem nada a ver, pessoas de outras classes também defendem a legalização, e essa questão toda envolve benefícios sociais comprovados, como combater o tráfico e o uso indiscriminado das drogas.

Argumentum ad Logicam / Falácia da falácia: afirmar que uma argumentação é inválida por ter sido iniciada a partir de uma falácia.
Exemplo: quando ativistas afirmam que meninos desde sempre afeminados revelam-se gays depois, e que portanto ser gay é algo natural e inevitável. Mas a existência de meninos antes afeminados que são atualmente héteros faz a oposição desacreditar da naturalidade da homossexualidade.
Explicação: é mesmo incorreto (e problemático) afirmar que todo menino "afeminado" será gay no futuro, mas isso não implica que a homossexualidade não pode ser natural.

Argumentum ad Antiquitatem: dizer que algo é bom e válido apenas porque existe há muito tempo.
Exemplo: situação típica em que ume conservadore diz que "não tem nada contra homossexualidade", mas que antigamente heterodissidentes não apareciam trocando afeto em público, e que isso deve ser mantido por ter sido "sempre assim", e que há "algum motivo" para ter sido assim.
Explicação: esse mesmo cenário mostra a opressão contra pessoas heterodissidentes que as faz se esconder da sociedade, como se seu afeto e sua forma de ser fossem errades, desagradáveis.

Argumentum ad Novitatem: dizer que algo é bom e válido apenas porque é recente.
Exemplo: pode ser o caso do uso de x para tentar criar uma linguagem neutra.
Explicação: muita gente usa o x sem ter consciência da inclusão de pessoas não-binárias, e mesmo quando têm acabam impondo somente essa linguagem a elas, o que não melhora a situação.

Pergunta carregada / Falácia da pressuposição: formular uma pergunta já afirmando alguma coisa que é mentira ou não totalmente certa.
Exemplo: quando um parente de uma menina hétero de expressão masculina pergunta se "ela já se assumiu lésbica para a mãe".
Explicação: a pergunta já foi feita com a acusação, que no fim nem é verdade, e foi baseada unicamente na expressão da menina.

Ad hoc: explicar um fato após ter ocorrido, mas essa explicação não se aplica a outras situações.
Exemplo: ocorre um caso de agressão contra uma pessoa gay, mas análises e testemunhos de todas as partes comprovam que não houve crime de ódio envolvido. E então pegam esse caso para afirmar que agressões motivadas por ódio não existem.
Explicação: é comprovado que a grande maioria das agressões contra pessoas gays teve alguma motivação, primária ou não, de ódio contra a sexualidade delas.

Ad populum: tentar validar algo apenas porque uma maioria faz ou concorda com aquilo.
Exemplo: quando tentam convencer alguém que ser travesti é errado só porque nem as famílias ou a sociedade aceitam uma travesti.
Explicação: considerando que o cissexismo é sistêmico e estruturado na sociedade, está explicado porque "a grande maioria" não aceita as travestis. O problema não são elas.

Argumentum ad Baculum: tentar forçar a aceitação de um argumento através de algum tipo de ameaça.
Exemplo: dizer que aceitar gays e lésbicas vai aumentar o número de homossexuais, e em breve a população vai entrar em extinção.
Explicação: já é absurdo afirmar que gays e lésbicas vão se multiplicar apenas pela homossexualidade ser aceita, além de desconsiderar que elus podem se reproduzirem e que a população mundial sequer está perto de ser extinta.

Argumentum ad Ignorantium: afirmar que algo é verdadeiro/falso apenas porque não foi provado o contrário.
Exemplo: afirmar que Deus existe porque a ciência não conseguiu desaprovar sua existência.
Explicação: o mesmo raciocínio pode ser sempre aplicado à argumentação da pessoa.

Circulus in Demonstrando: colocar uma premissa como a conclusão, assim a linha de raciocínio apenas anda em círculo.
Exemplo: dizer que travestis não devem ser professoras. Porque muitas famílias não vão aceitar sues jovens tendo aulas com uma travesti. Pela moral e bons costumes, travestis não devem ser professoras.
Explicação: o problema não é a travesti, é o preconceito das famílias, mas o raciocínio coloca a travesti como a raiz do problema.

Meio-termo: dizer que uma posição que se encontra entre dois extremos é a verdade.
Exemplo: numa discussão sobre o uso dos banheiros por pessoas trans, um grupo defende o banheiro sem gênero, e o outro discorda dizendo que pessoas trans devem usar o banheiro "correspondente" ao gênero de registro. Então uma pessoa propõe que haja um terceiro banheiro, exclusivo para pessoas trans.
Explicação: embora, por um lado, esse banheiro possa oferecer um pouco mais de segurança física às pessoas trans, no fim ele se torna mais uma forma de segregar a população, negando ainda sua identidade ("nem homem, nem mulher, só trans").

Incredulidade pessoal: não considerar que um argumento seja verdadeiro por ele ser difícil de entender.
Exemplo: quando se explica que gênero é uma experiência complexa e uma característica construída ao longo da vida, e que por isso pode haver outras possibilidades além de homem e mulher, mas a pessoa acha "difícil" existir gêneros além dos binários, e com isso define que não-binariedade é apenas uma invenção.
Explicação: se a pessoa prefere enxergar algo complexo como gênero de forma simplista (como reduzi-lo a algo determinado por genitálias), ela não vai aceitar transgeneridade, mesmo que seja uma vivência comprovada como subjetiva e real.

Falácia de divisão: concluir que a propriedade das partes de um objeto é também do objeto inteiro.
Exemplo: uma pessoa vai numa roda de conversa e descobre que a maioria ali presente é soropositiva, concluindo que deve ser uma reunião sobre HIV.
Explicação: o fato de haver uma maioria soropositiva não implica que a natureza da roda de conversa é sobre o vírus, vivências, saúde, e qualquer outra coisa relacionada.

Falácia de composição: concluir que a propriedade de um objeto inteiro é a mesma de suas partes.
Exemplo: quando se afirma que alguém é de classe alta por estudar numa instituição particular e conhecida por pessoas ricas.
Explicação: a instituição pode ter uma bolsas de estudos.

Non sequitur: deduzir um fato derivado de uma premissa sem haver conexão ou sentido.
Exemplo: uma pessoa doente começa a frequentar uma igreja, uma semana depois se cura, e com isso afirma que Deus a curou.
Explicação: pode ter havido muitos fatores que a fez se curar.