22 de dez. de 2018

Qualidades e concepções de gênero

Dentro de toda a questão do gênero se fala muito em qualidades que definem as identidades e/ou as expressões das pessoas. Noções de gênero variam de cultura em cultura, algumas aceitando gêneros definidos por papeis sociais, outras pela expressão e orientação sexual. Mesmo assim, sempre existiram ideias de qualidades, principalmente masculinas e femininas, em todas as culturas, com percepções e relevâncias variadas.

Visões de masculinidade e feminilidade mudaram de tempos em tempos e de culturas em culturas. Nossa visão atual tem uma forte base ocidental eurocêntrica. Por causa disso e outras construções sociais estamos discutindo muito sobre masculinidade tóxica e os direitos da mulher, sobre o que é ser homem e o que é ser mulher.

O que quero falar hoje aqui são das qualidades mais faladas e caracterizadas até então. Por mais subjetivas que possam ser, ainda são conceitos que existem e permeiam muito pelas sociedades e nos campos mental e social das pessoas.

Masculinidade: qualidade muito associada ao ser homem ou com a hombridade, que são questões culturais, subjetivas em si, e particulares dentro das experiências de vida de homens (totais ou parciais), pessoas que já foram/se identificaram como homens, ou pessoas não-binárias ligadas de alguma forma com o gênero homem/essa qualidade.

Masculinidades ainda são associadas com força, liderança, agressividade, entre outros atributos que podem estar presentes em todas as pessoas.

A masculinidade esteve sendo muito questionada nos tempos atuais. O patriarcado em conjunto com influências eurocêntricas criaram um fenômeno chamado masculinidade hegemônica, que discute muitos tipos de masculinidade e apontando que existe uma idealizada e mantida como um estado de poder. Muitos homens marginalizados estão redefinindo a masculinidade, tornando-a uma manifestação mais saudável e diversa.

(Descrição de imagens: três fotos de pessoas designadas homem, duas lado a lado e uma maior abaixo delas. A pessoa da primeira foto é da Europa do século XVIII, usando peruca e roupas da época. A pessoa da segunda foto é de uma tribo sul-americana que fala Quechua vestida com uma roupa colorida. E a pessoa da terceira foto é uma atleta moderna.)


Feminilidade: qualidade muito associada ao ser mulher ou com a mulheridade, que são questões culturais, subjetivas em si, e particulares dentro das experiências de vida de mulheres (totais ou parciais), pessoas que já foram/se identificaram como mulheres, ou pessoas não-binárias ligadas de alguma forma com o gênero mulher/essa qualidade.

Feminilidades ainda são associadas com delicadeza, calma, submissão, entre outros atributos que podem estar presentes em todas as pessoas.

A feminilidade foi e ainda é historicamente colocada numa posição de marginalização, porque é sempre subjugada pela masculinidade num jogo de poder político. Porém, é interessante notar também que existem muitas identidades de gênero restritas de culturas que são consideradas ou podem ser lidas como femininas/ligadas com feminilidade. De fato, a feminilidade já foi consagrada há muito tempo, bem antes da instauração do patriarcado.

(Descrição de imagem: quatro fotos. A primeira é de Marilyn Monroe, considerada um ícone feminino da época. A segunda de é Duda Salabert, a primeira travesti a se candidatar senadora em Minas Gerais. A terceira é de uma pessoa fa'afafine, um gênero exclusivo da cultura de Samoa. E a quarta são de três pessoas hijra, um gênero exclusivo da Índia.)


Androginidade: essa qualidade é muito definida como a combinação de masculinidade e feminilidade, o que faz com que dependa desses conceitos para existir ou fazer algum sentido. No entanto não deixa de ser subjetiva, pois o que enxergamos como andrógino aqui pode ser comum ou mesmo sagrado em outras culturas.

(Descrição de imagem: uma pessoa "two-spirit" designada homem com uma apresentação que misturas aspectos considerados masculinos e femininos.)

Muitas vezes, dentro da concepção eurocêntrica, androginidade pode parecer sinônimo de neutralidade. Isso pode ser melhor visualizado em peças de modas ditas unissex/agênero ou neutras. No entanto, neutralidade tem várias interpretações que podem diferenciá-la da androginidade, que tem uma interpretação mais sólida.

Há de se notar que no "Ocidente" a androginia é muito usada por pessoas ou grupos movides contra o sistema e as normas sociais, algo notável entre pessoas queer e homens roqueiros, o que a coloca como uma marca histórica de transgressão.

(Descrição de imagem: uma pessoa vestida com um tipo de terno e segurando um cigarro na mão direita.)


Neutralidade: uma qualidade palpável e entendível, mas que ainda pode ter muitas interpretações. Enquanto pode ser vista como a mesma coisa que androginidade, também pode ser vista como uma qualidade única ou mesmo a ausência de qualidades. Sendo uma qualidade única, ela pode ser vista como: equilíbrio entre masculino e feminino ou o equilíbrio entre todas as qualidades existentes, ou como uma terceira qualidade ao lado de masc e fem.

(Descrição de imagem: conjuntos de círculos coloridos representando quatro interpretações de neutralidade: um círculo azul escrito 100% M, um rosa escrito 100% F, e um cinza escrito 50% M e 50% F; um círculo azul, um rosa, e um branco escrito "nulo"; um círculo azul, um rosa, e um amarelo; e um círculo multicolorido com um círculo branco menor no meio escrito "neutro".)


Outerinidade: o termo se refere a qualidades totalmente novas, separadas de masculino e feminino, e distintas das quatro citadas acima; uma quinta, sexta, sétima etc qualidade. Se masculino é azul, feminino é rosa, andrógino é roxo, e neutro é cinza, as qualidades outerinas são amarelo, verde, laranja, etc.

Nossas percepções atuais são tão centradas nas quatro qualidades comuns que é muito difícil imaginar como seriam as qualidades outerinas. A existência de identidades e elementos de gênero definides por essas qualidades desafiam essas percepções, por mais subjetivas que sejam, abrindo espaço para novas subjetividades, ou mesmo nos faz questionar mais se no fim são apenas nossas concepções e visões pessoais que definem essas qualidades ou que nomes daremos a elas (exs: uma pessoa com leitura social totalmente masculina se considerar neutra; uma pessoa com leitura social totalmente feminina se considerar outerina).

(Descrição de imagem: dois conjuntos de círculos coloridos simbolizando as qualidades masculina, feminina, andrógina e neutra, e as qualidades outerinas. O primeiro conjunto tem círculos roxo, rosa, cinza e azul. O segundo conjunto tem círculos vermelho-escuro, amarelo, laranja, verde, salmão e turquesa.)


Acredito que qualidades outerinas também podem definir qualidades que podem ser fluídas entre as quatro anteriores ou mesmo serem misturas delas. Mesmo que a pessoa as utilize como parâmetro, pode fazer mais sentido dizer que ainda é uma qualidade única, assim como a androginidade depende de feminilidade e masculinidade e continua sendo uma qualidade própria, ou assim como misturar as cores azul e cinza ainda dará uma nova cor.


Xeninidade: termo referente a qualidades totalmente fora das concepções humanas. Ou seja, tais qualidades não podem ser explicadas pelos conceitos acima, que, por mais que possam ser subjetivos, ainda são ideias comuns. Aqui as qualidades estão envolvidas com objetos, emoções, sensações, cores, fenômenos da natureza, etc. Ainda é possível ser uma pessoa xenina e ligada de alguma forma com as outras qualidades citadas.

(Descrição de imagem: dois conjuntos separando as qualidades dentro das concepções comuns [masculina, feminina, neutra, andrógina e outerinas] daquelas fora das concepções comuns [xeninas]. O primeiro conjunto tem todos os círculos usados no gráfico anterior. O segundo conjunto tem formas geométricas diferentes assim como cores diferentes.)


Ainda falta muitas discussões e pesquisas sobre as demais qualidades além da masculina e da feminina. Comunidades não-binárias acabam produzindo certo conteúdo a respeito com suas vivências e experiências de gênero (conhecimento empírico). Porém esse conteúdo ainda é pouco e sua visibilidade é baixa.

Precisamos tocar mais nesses tópicos, para assim redefinir o que é gênero e abrir portas para uma infinidade válida de identidades e expressões.