24 de jan. de 2019

Validação e sofrimento

AC: invalidação, menção a opressões, policiamento de identidades e experiências.



Acho que nos acostumamos muito a validar pessoas marginalizadas através do sofrimento (aparente ou declarado) delas. Ou seja, quanto mais a pessoa sofre, mais ela é válida.

Muitas vezes eu não sinto que sou pessoa não-binária, polissexual e poliamorista suficiente.

Há momentos em que eu me comparo com outras pessoas desses segmentos e enxergo em mim tantes privilégios e fugas das opressões.

Há instantes que algo dentro de mim diz sou apenas um homem cis gay querendo ser mais marginalizado do que sou; para assim se sentir mais parte da comunidade LGBTQIAPN+ e negar que sou privilegiade perto de muita gente da comunidade.

Quando penso que essas descobertas foram bem recentes e me trouxeram mais êxtase que estresse, tudo piora. Porque, vish, eu não sofri tanto (ainda) com exorsexismo, monossexismo e mononormatividade (ou até amatonormatividade)!

Então penso os detalhes da minha vida íntima. Não tenho disforia de gênero e tenho uma apresentação socialmente "masculina". Até agora só tive relações e contatos afetivos com pessoas designadas homens com expressão totalmente ou quase totalmente dentro do social masculino. E ainda não consegui ter uma verdadeira e oficial relação poliamorosa.

Junta tudo isso com as próprias expectativas desses grupos e até da sociedade. Pronto. O veredito é: eu não sou nada do que digo ser.

Não vou tentar contornar tudo isso me reafirmando o tempo todo, ou tentando "ser mais não-binárie/polissexual/poliamorista" de alguma forma, ou procurando situações de opressão. Há pessoas que recorrem a esses métodos.

Procuro evitar ao máximo pessoas e espaços que têm potencial para me apagar, me silenciar ou me invalidar. Isso faz eu me isolar mais. E já sou uma pessoa mais reclusa.

Apesar de sofrimento não ser critério para validação, só esse sentimento de solidão me coloca numa posição marginalizada. Porque marginalização tem várias faces e níveis. E aí eu lembro que sim, eu sou marginalizade. Não importa o quanto. Importa que sou.

Preciso me lembrar constantemente que ninguém precisa ter atravessado um mar de sofrimento para ser válide. Continuamos sendo alvos de várias opressões, mesmo que não atinjam todes com a mesma frequência e intensidade. Nem pertencer a muitos grupos oprimidos simultaneamente garante isso (embora aumente as chances).

Não faria sentido colocar as pessoas "mais fudidas" num pedestal, dizer que elas são as mais válidas e usá-las como referência e justificativa para derrubar as opressões. Onde exatamente isso ajudaria nas lutas e discussões? Acabamos caindo na famosa "olimpíada de sofrimento".

Pessoas como eu precisam falar mais nisso, pois muita gente não se sente válida suficiente por motivos assim ou alguns outros. O que sofremos ou não são circunstâncias, não as evidências de que somos o que somos. Caramba, não somos apenas lágrimas e sangue!

Eu sou válide! Eu existo!