21 de jan. de 2019

Crítica: Livro "Poliamor & Relacionamento aberto"

AC: heteronormatividade, cissexismo, diadismo, exorsexismo, alossexismo, monossexismo, elitismo, bebida, sexo e menção a práticas sexuais, colonização e menção a estupro.




Uma amizade me emprestou este livro, que eu já tinha me interessado em ler pela temática. Vou fazer minhas críticas por capítulos.

A pessoa já começa o livro dizendo que ele será descontraído. E então fala da questão da linguagem do livro, que segue a norma. Nem sei pra que se preocupar em pontuar isso sendo que inclusão é o que menos tem e o autor nem entende o que é gênero. Sei que não preciso dizer, mas o livro é bem exorsexista (de todas as formas).

(O que seria "homem-mulher" ou "mulher-homem"? Pessoas trans binárias? Uma pessoa bigênero? Tenho medo da resposta...)

A introdução é aceitável. Só achei estranho o recado no final, que soou como se pessoas monogâmicas nem pudessem ler o livro. Na verdade o autor faz parecer algumas vezes que quem está lendo é só quem tem interesse na não-monogamia.

Capítulos 1, 2 e 3 souberam introduzir muito bem os conceitos de relação aberta e poliamor, mostrando como funcionam ou como podem funcionar.

Mas aí então vem dicas de como abordar o tema e uma das sugestões é... álcool. Me senti desconfortável com a ideia de usar um pouco de álcool pra induzir a pessoa a um assunto que ela pode ou não aceitar. Como se todo mundo bebesse, né? E depois trata reações negativas das pessoas ao assunto como "dramáticas" ou "porque faltou álcool". As pessoas podem ser monogâmicas e não quererem falar em não-monogamia, tá?

O capítulo 4 falou bem do processo de abrir a relação e de possíveis cenários com uma terceira pessoa num casal. Falou também de relações afetivas/sexuais com amizades.

Mas fez uma constatação questionável sobre relações abertas serem mais "bem-aceitas e difundidas" entre "gays" (ainda fala "universo gay masculino"). E aí vem com uma linguagem cissexista, diadista e exorsexista até esperada (sexo masc/fem, gênero oposto, "a mulher engravida") e com neurosexismo ("homens pensam/agem assim").

Capítulo 5 tem dicas legais até sobre como lidar com possíveis inseguranças numa relação plural.

Capítulo 6 falou bem sobre sentimentos que podem intervir, como ciúmes e possessividade, e procedimentos que levam a desigualdade e desarmonia (limites injustos).

Capítulo 7... ok. Interessante saber figuras históricas/atuais não-mono.

Capítulo 8 parte de uma base bem heteronormativa, pois o autor afirma que toda pessoa não-mono (homem) vai encontrar uma mulher (cis) com filhes. Contudo tem uma matéria interessante sobre um rapaz que conviveu só com pessoas não-mono.

Capítulo 9 é um guia de... nude. Confesso que nem li direito. E no final o autor decidiu falar da colonização. Citou a liberdade sexual indígena pra... sei lá, e ainda chama levianamente as relações interraciais da época de "intercâmbio de fluidos corporais". Não, o que aconteceu foi estupro! Sim, o autor é branco.

O capítulo 10 foca em dicas e instruções de como encontrar parceires sexuais. A título de curiosidade, é interessante. Agora os tais métodos de alta eficiência são, no mínimo, elitistas. Cruzeiros liberais? Motéis para swingers? "Resorts all inclusive"? Uau, bom saber que só classe média-alta tem tanta oportunidade sexual!

Daí o autor fala de aplicativos. Fala do quanto são métodos eficazes de se encontrar sexo casual. Só esqueceu de apontar a hostilidade que existe neles contra pessoas não-mono. Aplicativos são bem superficiais e pessoas são muito selecionadas pela aparência, ainda mais se tratando de sexo casual. Mas de repente, depois de exaltar os aplicativos e sem fazer qualquer crítica, o autor se preocupa com a autoestima das pessoas porque elas são avaliadas pelo corpo. Tá...

No capítulo 11 fala sobre saúde. Fala apenas sobre camisinha, lubrificante e cuidado com brinquedos eróticos. Só (sim, podia ter dissertado bem mais).

O capítulo 12 foi no mínimo bizarro e a constatação assinada da ignorância do autor e do quanto a inclusão do livro nem existe. Ele fala de bissexualidade de formas superficiais e podres, parecendo que ela é uma curiosidade sexual ou que é só uma prática que pode ser adotada conscientemente por pessoas hétero. Nem explicou sobre relações plurais com pessoas de orientações diferentes. Ele decidiu lembrar da existência de pessoas trans, falando delas como algo exclusivo e fora do mundinho dele, fala uns conceitos bem toscos e equivocados, me solta "o travesti", e ainda associa não-binariedade com intersexualidade (bônus: chamou de "hermafroditismo"). Talvez fosse melhor ter continuado excluindo pessoas trans...

O capítulo 13, o último (ainda bem!), fala apenas de orgias. A título de curiosidade pode ser bem interessante. Mas confesso que meu interesse foi mínimo e li bem pouco.

O livro podia ter sido uma coisa muito boa. As ilustrações são bonitas e torna a leitura agradável. Mas foi tudo escrito numa perspectiva de um típico homem cis hétero branco de classe média-alta. Eu não me senti contemplade no livro. Muito excludente e só focou em relações de pessoas cis hétero. E num geral o autor conseguiu hiper-sexualizar as noções de relação aberta e poliamor, excluindo relações apenas afetivas e românticas (e muitas pessoas a-espectrais), além de praticamente resumir não-monogamia a casal querendo ser trisal.

É um livro ruim. Não recomendo. Existem conteúdos de não-monogamia bem melhores e inclusivos por aí na Internet.