4 de jul. de 2018

Família normativa

Vou começar o artigo com um termo criado por mim:

Famunormatividade. Ela é toda construção social, cultural e histórica sobre o conceito de família. Decidi criar esse termo porque não encontrei até então um termo que representasse especificamente esse tópico.

Essa normatividade tem uma forte conexão com a heteronormatividade. O sistema privilegia e valida apenas casais de homem e mulher hétero-cis. E também dita como essas relações devem ser. Por isso o sistema tem a expectativa de que esses casais se reproduzam e tenham uma prole. Esse conjunto é definido como família no "sentido biológico".

Embora atualmente muitos países aceitem mais modelos familiares, parcelas conservadoras e reacionárias continuam se mobilizando contra esses outros modelos, agarrando-se ao pensamento de que a linhagem sanguínea é o que determina uma família verdadeira.

E mesmo que haja a inclusão de homens e mulheres solteires com filhes ou de crianças adotadas, ainda existe toda uma construção sistêmica em cima do que é família e de como as pessoas devem se relacionar com ela. E essa construção é o que decidi chamar de famunormatividade. 

A famunormatividade é que prega que a família é sagrada, que sues parentes serão sempre parentes, que devemos todes amar a família incondicionalmente, que devemos gratidão e respeito a ela mesmo quando não temos motivos para isso, entre outras ideias que, atualmente, estão sendo cada vez mais criticadas.

Estamos percebendo afinal o quanto família, falando sistematicamente, é uma enorme relação abusiva e imposta toda romantizada. E quando a famunormatividade é internalizada, a pessoa se vê obrigada a se prender à gente nociva, e ainda sentir culpa quando não consegue amar ou quer se livrar dessas pessoas.

Por isso que:

- Mulheres não se separam de maridos agressivos porque isso “romperia” a família. Então a manutenção do conjunto familiar é mais valorizada do que a vida dessas mulheres.
- Filhes são obrigades a conviver numa casa com parentes intolerantes e suas reações naturais são tratadas como rebeldia sem causa e ingratidão.
- E mesmo quando filhes são expulses de casa, há gente que tenta justificar essa atitude, como se crianças e adolescentes não tivessem direito à cidadania.
- Pessoas são obrigadas a suportar parentes intolerantes em reuniões e encontros casuais de família, unicamente para manter a paz no ambiente, mesmo que esse ambiente seja suas próprias casas.

E tem outras situações diversas. Mas acredito que já ficou claro até aqui o que é a famunormatividade e seus efeitos negativos.

Não tem como não se lembrar da comunidade LGBTQIAPN+ dentro desse tópico. Porque muites, até desde a infância, acabam se encontrando preses numa casa com gente preconceituosa que praticam constantemente (senão diariamente) violência física e/ou mental através de punições antiquadas, pressões de comportamento, cobranças que não consideram os limites ou o estado momentâneo da pessoa, chantagens emocionais, entre outras atitudes que ferem as liberdades e integridades da pessoa.

Pior ainda quando a situação envolve famílias religiosas. Crianças e adolescentes são privades de liberdade, passam frequentemente por tentativas de doutrinação para que “mudem”, e é muito comum que sejam expulses de suas casas. E ainda haverá pessoas para culpabilizá-las. Claro que esse rompimento familiar não é previsto pela famunormatividade, mas dentro da heteronormatividade e do ódio pregado pelas religiões, o ato é justificável.

Apesar de a famunormatividade ter sido feita para as "famílias biológicas", ainda é possível que ela se manifeste em algum nível em famílias fora dos moldes hétero-cis, principalmente homoafetivas. Porém isso é mais incomum devido às vivências de quem compõe essas famílias.

Quanto mais esse sistema for questionado e quebrado, mais pessoas poderão se libertar de "famílias" tóxicas e mais famílias formadas através de vínculos verdadeiros que independem de sangue ou filiação poderão existir. Isso não vale apenas para a comunidade, vale para todes.