13 de fev. de 2019

Criminalização

AC: lei, criminalização, opressão e crimes de ódio, heterossexismo, cissexismo, diadismo.



Hoje teve a discussão no STF sobre o projeto de lei que criminaliza a... homofobia? Homotransfobia? LGBTfobia? Nem sei mais o que estão criminalizando. Começo com essa ironia porque é uma bagunça como cada fonte e pessoa anunciam essa notícia.

Vi muita gente a favor da lei, como eu esperava da minha bolha progressista e colorida. Mas vi uma pessoa totalmente contra. E eu já tinha ideia dos motivos. 

Não sou contra a criminalização. Acredito sim que deva existir punição para crimes de ódio. Mas os pontos contra a lei são pertinentes. Não pela lei em si, mas pelo sistema penal nosso e pela complexidade que precisa ser debatida.

Vou começar pelos termos e pelo alcance da lei dentro da comunidade...

Por um momento parece que homofobia é termo guarda-chuva para toda discriminação contra "LGBT(I)s". Daí ressaltam a discussão específica para o grupo trans; que aqui no Brasil ainda define-se como travestis e mulheres e homens transexuais. Então usam LGBTfobia (uma ou outra pessoa adicionou a letra I), dizendo que a lei é para "a comunidade toda". É mesmo?

Sinceramente, eu não consigo confiar na efetividade de uma lei num país onde as pessoas bagunçam esses termos, fazem uma salada, e muitas vezes nem sabem qual opressão estão combatendo precisamente.

Assim, querides, homofobia não é termo guarda-chuva e definitivamente não contempla transfobia e nem bifobia. Monossexismo tem mecanismos próprios e existe um sistema que privilegia monossexuais - héteros, gays e lésbicas - em detrimento de pessoas multi e até a-espectrais.

E dizer que a lei é para toda a comunidade ou é ingenuidade ou é exclusão proposital. Porque não creio que uma lei tão focada em "LGBT" possa englobar plenamente pessoas intersexo, a-espectrais, não-conformistas de gênero, não-binárias, NCLs, etc.

Li que o projeto pretende incluir junto com racismo discriminações contra orientações sexuais e identidades de gênero. Quais orientações sexuais e identidades de gênero seriam contempladas? E mais: onde tudo isso implica com pessoas intersexo sendo que aqui estamos falando de sexo?

Aliás, se for assim, prevejo muitas denúncias feitas entre segmentos da própria comunidade, considerando que ainda reproduzimos muitas opressões.

Críticas pertinentes (não falo de fundamentalistas e feministas radicais; essa gente tem mais que se fuder) apontaram que o projeto é punitivista, não resolve a questão da violência a nível sistêmico, e só vai servir para encarcerar mais gente negra e periférica.

Não consigo discordar dessas pontuações. Não falei lá em cima sobre uma complexidade que precisa ser debatida? Vou comentar duas situações dentro disso:

- a palavra viado. Tem gente que se reapropriou da palavra e transformou em identidade. Tem gente que não se ofende. Tem gente que acha ofensiva. E aí quando uma pessoa é chamada de viado na rua? Teremos situações de denúncia feita pela palavra e outras pela mera intenção pejorativa.

- a ignorância sobre a diversidade é imensa. Muites termos pejorativos ou ações opressivas ainda são praticades casualmente. Uma pessoa que não sabe que a travesti não usa linguagem o/ele/o e a tratou assim deve ser denunciada e punida por essa falha? Uma pessoa mais compreensiva pode escolher explicar do que denunciar. Mas e se não for o caso?

Por fim, toda discussão sobre criminalização necessita ser ampliada e ter maior interseccionalidade. Vi pessoas de regiões periféricas, lugares onde a tal democracia ou o próprio Estado nem chegam, apontando que a lei nem teria efeito nesses lugares. Vivemos sob um sistema penal bem seletivo que mira nos segmentos sociais mais marginalizados - negro e pobre.

Não pude deixar de notar a quantidade de pessoas racializadas apontando isso enquanto pessoas brancas - principalmente homens gays cis - estavam aplaudindo o projeto sem fazer qualquer reflexão ou pontuação.

De novo, assim como muita gente, eu anseio por uma punição penal contra crimes de ódio. Mas, não, isso não resolve a questão estrutural. A lei só envolve agravantes em crimes. Não alcança questões institucionais. As cadeias não conscientizam pessoas.

Receio até que um possível cenário negativo seja pessoas ignorantes sendo encarceradas e saindo da prisão com mais ódio da população LGBT+. Pode até haver criação de grupos de extermínio nesses locais.

Heterossexismo, cissexismo e diadismo, assim como racismo e machismo, são opressões sistêmicas e não serão resolvidas apenas com punição. Precisaria de investimento em educação e políticas públicas, principalmente. Conscientizar a população é o melhor caminho; o que esteve sendo difícil diante dos retrocessos vindos com o fascismo e o conservadorismo ganhando mais espaço na política.

Ah, então por que sou a favor de criminalizar? Porque embora muita discriminação seja fruto de ignorância, ainda existem pessoas chegando ao nível de promover ataques morais, agressões e até assassinar pessoas da comunidade. Isso é constante, é diário, e passa impune em quase todas as vezes. Essas pessoas não são coitadas e merecem sim punição maior pelo ódio.

Sem contar outras ações recorrentes como pessoas sendo expulsas de casa, sendo ofendidas em estabelecimentos, sendo perseguidas em escolas, etc. Ações que ferem a liberdade e o direito humano e que exigem medidas previstas por lei.

Enfim, era o que eu tinha a dizer sobre o projeto. Amanhã ocorrerá a votação e saberemos se foi aprovado. Tentarei ser otimista. E, se for aprovado, que tudo isso seja devidamente considerado. Apenas criminalização não vai encerrar a violência.


Deixo aqui dois textos que achei interessante compartilhar: