4 de out. de 2017

A polêmica do homem nu

Semana passada teve essa repercussão da exposição do homem nu. O que gerou revolta foi o fato de crianças terem interagido com ele. Um lado acusou a exposição de pedofilia, e outro lado rebateu e defendeu a exposição. E, mais uma vez, não é uma simples questão de ser contra ou ser a favor. Há muito que se analisar e extrair dessa polêmica toda. Vamos por partes.

O grupinho fascista que mobilizou o pessoal alinhado com a (extrema-)direita novamente nos faz retroceder séculos ao tentar censurar uma exposição artística. Não devemos censurar uma arte pelo simples fato de não nos agradar.

A exposição revelou com antecedência que havia nudez. Todas as pessoas estavam avisadas. Não teve classificação de faixa etária, então pessoas de todas as idades puderam entrar. E, no caso, teve uma mãe com uma filha pequena que entrou e deixou a filha interagir com o homem nu.

Primeiro de tudo, seria maravilhoso se pudéssemos quebrar todo esse tabu que criamos em torno da nudez. Ela é natural. Nos vemos nus todo dia. Estamos cientes de como somos por baixo das roupas. Sou super a favor de quebrar o tabu, e por isso apoio uma exposição dessas (embora eu mesmo me sentiria estranho diante daquele homem exposto livremente ao mundo inteiro).

Porém, é problemático crianças serem incentivadas a interagir com um homem nu. O problema não é a criança. O problema não é a nudez. O problema é nosso contexto atual de perigos dos quais as crianças são alvos ainda - em particular, pedófilos.

Não, a criança apenas tocar num homem nu não é um ato ou incentivo a pedofilia! Não houve pedofilia em nenhum momento. E, em todo caso, as crianças têm responsáveis para responder por elas. A criança não vê malícia na nudez. A sociedade erotiza o corpo e nos ensina a erotizar.

Mas, contudo, entretanto, estamos ainda dentro de uma realidade cruel e medonha. A criança pode não ter malícia e ser ensinada a ver a nudez sem uma maldade. Só que fazê-la achar "normal" que ela pode simplesmente interagir com uma pessoa nua pode sim abrir portas para um crime contra ela. É necessário instruir a criança sobre os perigos que ela corre.

A situação fica menos digerível ainda quando levamos em consideração todo histórico social de abuso infantil e misoginia contra as meninas. O fato de terem permitido que uma menina tocasse num homem nu abre inúmeras feridas sobre a figura da mulher. Não há como ignorar esse recorte! Viram a importância do contexto?

Naturalizar a nudez para as crianças seria ótimo, pois assim elas poderiam explorar seus corpos sem medo, principalmente as meninas. A sociedade heteronormativa estimula os meninos cis a se tocar, a conhecer a própria anatomia, explorar sua genitália e a sexualidade, enquanto meninas são condicionadas a não conhecer o próprio corpo.

As famílias poderiam fazer um trabalho decente em quebrar esses estigmas sobre o corpo (mais as instruções necessárias) sem precisar levar as crianças a uma exposição dessas. De novo, o problema não é o homem nu, e sim o contexto atual.

Quebrar estigmas é super bem-vindo, mas até isso precisa ser planejado com cuidado. Isso não vai ser feito de um dia para o outro. E convenhamos, era óbvio que permitir interação entre crianças e uma pessoa nua causaria controvérsias (não acredito que houve ingenuidade de achar o contrário! ¬¬).

Acho que naturalizar a imagem de uma mulher amamentando em público seria muito mais prestativo (e bem menos problemático) nessa questão do que a nudez de um homem cis, alguém com um corpo que nem é estigmatizado. Vale lembrar que as glândulas mamárias do sexo feminino ainda são tratadas como órgãos sexuais!

E para encerrar, polêmicas como essa e a "cura gay" acabam desviando a atenção da população para outras questões. A corrupção está apenas crescendo, o povo continua sendo alvo de injustiças e perdendo direitos, e as mídias fazem as pessoas focarem nas discussões polarizadas de sempre (até esse assunto virou uma disputa de esquerda v.s. direita!).

Conclusão: não teve ato ou incentivo à pedofilia, teve uma boa intenção (quebrar um estigma), mas não é o momento para isso, e desconsideraram um contexto importantíssimo. Quem dera se o maior problema aqui fosse só o tabu. Melhorem!