24 de mai. de 2017

Eu e o futebol

Nunca parei para falar aqui da minha relação com os esportes - o futebol, em particular. Desde criança tive que lidar com o fato de não ser fã do esporte. Não foi uma característica que me trouxe discriminação, e sim mais uma sensação de ser diferente da maioria.

Vivo com minha tia desde sempre, uma torcedora do São Paulo. E ela me instigava a dizer que era meu time também. Eu era criança, crianças são bobas, repetimos o que nos mandam para agradar, então até certa idade eu me dizia são-paulino. Nunca assisti um jogo do São Paulo.

Sinceramente, nunca consegui entender essa necessidade do povo brasileiro de assistir jogos, de torcer pra algum time, e de falar tanto num assunto que, convenhamos, nem tem conteúdo. Acho que foi perto da puberdade que me assumi "sem time". Felizmente, nunca fui discriminado por isso, nem pelos outros garotos e nem por adultos. Há quem relate isso.

E mesmo assim eu sempre senti uma cobrança silenciosa através do convívio familiar e escolar de ser fã do esporte. Talvez fosse uma parte de mim querendo ser aceita, o que é normal numa criança.

Nas aulas de Educação Física eu evitava ao máximo as partidas. Eu detestava tudo: a agressividade dos meus colegas, a exaltação do esporte como "coisa de homem", a bola, enfim. Nunca me senti à vontade para jogar. E ninguém fazia questão de entender.

O que tem de opressivo no futebol? Além da possibilidade de levar boladas e rasteiras, nada. O real problema é a tradição masculina que acompanha o futebol. Pois a mesma tradição é machista e heterocisnormativa.

O futebol é o esporte dos machos. Assim foi estipulado pelo patriarcado. Homem que é homem joga bola. E numa partida os homens têm que expor toda sua virilidade, mesmo que isso inclua xingamentos e agressões (é coisa de homem, né).

Essa natureza nociva patriarcal que persegue o esporte é o que causa desconforto entre meninos, rapazes e adultos que não aceitam esse padrão de ser homem. O grupo que mais acaba rejeitando o esporte são os gays. Mas não é incomum jovens héteros fazerem o mesmo (podendo aceitar o esporte mais para socializar do que por paixão).

Atualmente o futebol não é mais propriedade exclusiva do macho hétero-cis. Existem times femininos, jogadores gays não são mais novidade, torcidas grandes estiveram se pronunciando contra homofobia, e em 2015 foi fundado um time composto majoritariamente por gays - o Unicorns Futebol Clube.

No entanto, o futebol, em geral, ainda é hostil com os homens que não se encaixam perfeitamente nas normas de comportamento do patriarcado. E o maior alvo ainda são os gays.

O machismo e a homofobia estão nos xingamentos entre as torcidas. Jogadores do time do São Paulo ainda são chamados de "bambis", que é um termo de caráter homofóbico. A feminilidade é usada como ofensa, depreciativa. O preconceito no futebol, um esporte tão popular, só perpetua a discriminação na sociedade.

Se ainda duvida da homofobia no futebol brasileiro, o jogador Richarlyson foi rechaçado mesmo antes de assumir sua homossexualidade. Enquanto o goleiro Bruno, um assassino, foi solto e recebido com abraços e fotos.

Nós que rejeitamos o futebol, principalmente gays, não fazemos isso por nos sentirmos "menos homens" para o esporte, e sim porque esse meio esportivo (junto com a sociedade) exige que sejamos um tipo de homem que não queremos ser. O problema não é o esporte, e sim o grupo que predomina sobre ele.

Esportes deveriam ser para todos, deveriam ser ambientes acolhedores. O esporte não deve servir para "fazer homens", e sim fazer pessoas unidas e saudáveis. O dia que eu contemplar essa realidade, talvez eu me sinta à vontade para jogar uma partida.

Permaneço sem torcer para algum time. Só torço por mim mesmo, pelo causa LGBT e pelo progresso da humanidade e do mundo.