9 de jun. de 2015

Parada LGBT 2015

("Eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim: respeitem-me!")

Antes de tudo, eu gostaria de parabenizar a primeira Parada LGBT que fui. Vi que não é a putaria e algazarra que a televisão adora mostrar.

Como de costume, o evento causou polêmica nos setores mais conservadores ou ignorantes mesmo. E a própria comunidade, como de costume, cometeu seus erros.

Como sempre a notícia do evento é espalhada como Parada Gay, como se LGBT fosse sinônimo de gay. Mas beleza. Até eu já cometi essa gafe, e procuro sempre me corrigir.

Lembro-me de ter passado por um trio elétrico que tinha um cartaz que se dizia lutar contra a "homolesbotransfobia".
Ponto positivo: finalmente lembraram-se da existência de lésbicas e pessoas transgêneras.
Ponto negativo: esquecerem (de novo) as pessoas bissexuais. Cadê o 'bi' na palavra?

Agora a maior polêmica: uma travesti simulando uma crucificação.


Antes de tudo, vamos criticar a linda frase que estava escrita acima da cruz: "Basta de homofobia com GLBT". Hã? Oi? Não entendi... Basta de homofobia com gays, lésbicas, bissexuais e trans? Mais uma vez usamos homofobia e gay como genéricos de todo preconceito e de todos os grupos da comunidade LGBT. Lésbicas e pessoas transgêneras foram novamente apagadas. E as pessoas bissexuais? Duplamente apagadas. Bissexualidade é tratada como ficção...

Cadê as pessoas ativistas e militantes para apontar essas falhas???

Enfim... a polêmica. A travesti permaneceu crucificada durante todo o evento. O maior ponto positivo disso foi pela pessoa crucificada ser justamente uma travesti, visto que o grupo das pessoas trans ainda é muito invisibilizado dentro e fora da comunidade (a frase citada é a prova disso). Os religiosos, mais especificamente os evangélicos (como sempre), não gostaram da imagem e ficaram #xatiados. O repúdio esteve vindo até de pessoas que não seguem a religião.

Acredito que por um lado temos gente ignorante e sem senso crítico suficiente para interpretar a imagem, ou também sem empatia por todo sofrimento histórico e diário da comunidade LGBT. Por outro lado, temos gente hipócrita e irracional. Simples assim.

Para começo de conversa, o pessoal está pensando que a crucificação é monopólio do cristianismo. O ato da crucificação era praticado pelos romanos contra transgressores de suas leis. Isso existia bem antes da época de Cristo (considerando sua real existência). Aliás, o próprio Jesus foi crucificado por ser considerado um subversivo pela população (não vou discutir sobre a suposta vontade de Deus aqui, é subjetivo demais).

Desde o crescimento da influência judaico-cristã na História, a população LGBT vem sendo julgada e tratada como subversiva. Ora, não ocorreu o mesmo com Jesus Cristo? A imagem era justamente uma simbologia da perseguição, do ódio e da condenação cometidos contra as pessoas LGBTs. Atualmente não somos crucificados (alguns até gostariam que fôssemos), mas ainda somos estatísticas de morte e todo tipo de violência apenas por sermos o que somos. Sobre isso ninguém faz protesto na Internet, né? Enquanto morremos, e em silêncio, está tudo bem. O mundo é perfeito!

Percebe-se que há pesos diferentes quando a pessoa na cruz é um homem heterossexual e cisgênero e quando é uma travesti: um é aceito e o outro é repudiado. Nada diferente do cenário atual na sociedade.

E mais, analisemos a hipocrisia exacerbada de quem está criticando a imagem: um jogador famoso também apareceu crucificado na capa de uma revista nacional. Não houve repercussão. Dizem que houve críticas, mas a mesma repercussão não teve; nunca terá. Deve ser porque, além de homem heterossexual e cisgênero, estamos falando de um ícone nacional. Ícones são perdoados dos olhares super críticos da sociedade.

A visão crítica da população brasileira parece ser seletiva. Se houvesse concurso de hipocrisia e incoerência, o povo brasileiro ganharia quando o assunto é a comunidade LGBT.

O mais engraçado é ver essas pessoas religiosas dizendo: "ah, depois querem respeito". Pedimos respeito diariamente. Recebemos? Hm... Acho que não. O Brasil ainda é um país retrógrado e muito desinformado. Ainda escutamos "opção sexual", temos que engolir discurso preconceituoso de conservadores mascarado de """liberdade de expressão""", pessoas transexuais são vistas como uma "evolução" dos homossexuais, e ainda temos que aturar enquete no site da câmara discutindo se famílias homoafetivas podem ser ou não consideradas famílias! Recentemente não quiseram boicotar uma empresa de perfumes apenas por incluir casais homoafetivos na propaganda?

Muitas dessas pessoas ainda estão dizendo que acharam a imagem ofensiva, e que não é assim que deveríamos fazer as coisas. Primeiro, ofensivo são as estatísticas mencionadas; as mesmas que todos parecem gostar de ignorar. Segundo, pessoas heterossexuais e cisgêneras (especialmente os homens, porque homem adora opinar em tudo) não devem dar pitaco no movimento; só nós sabemos a cruz que carregamos, e é a mesma que carregamos há séculos.

Ainda não entendi porque uma 'imagem' chocou a população evangélica, conhecida por não cultuar imagem. Aliás, desgostam tanto de imagens que já tivemos pastor chutando e quebrando estátua de santa. Cadê o repúdio geral sobre esse desrespeito?

Triste também é ver alguns gays desaprovando o ato. Quero acreditar que estão no grupo dos ignorantes sem senso crítico suficiente. E claro, há membros da própria comunidade praticando a hipocrisia habitual. Li críticas feitas sobre a exposição do corpo das travestis, como se expor o corpo fosse um absurdo, um desrespeito. Ninguém reclama dos gogo boys de cueca rebolando no alto dos trios, né?

Faço minhas as palavras de uma maravilhosa mulher trans que sigo no Facebook:

"Num país em que homem cis pode andar seminu que está apenas com calor, considero que as mulheres (trans ou cis) e travestis expondo os seios estão protestando mesmo que estejam em silêncio. O corpo milita."

Ah, e esses mesmos gays estão falando sobre a Parada estar prejudicando a visão pública sobre a comunidade. Se militássemos de acordo com a vontade da sociedade, nem direito a manifestações teríamos. Continuaríamos sendo vistos como doentes mentais ou seres invisíveis, pois no mundo perfeito só existem homens e mulheres heterossexuais e cisgêneros.

E se acham que a luta da comunidade LGBT é exclusiva e unicamente dela estão muito enganadxs. Heterossexuais já sofrem agressão por serem confundidos com homossexuais (lembram-se do caso do pai e do filho?). O preconceito se espalha como uma doença, e sinto dizer, não é mais uma endemia, já se tornou pandemia.

Conclusão dessa porra toda: todxs precisam melhorar! População geral precisa largar a hipocrisia, a falta de empatia, e essa zona de conforto chamada ignorância. E comunidade LGBT precisa ser mais inclusiva sobre o L, o B, o T, e muito mais.
Como querem desfazer a desarmonia externa tendo desarmonia interna?
Melhorem, todxs vocês.

(Diversidade de afeto, gênero, sexo e sexualidade)