25 de mar. de 2020

Porque não uso esses termos

AC: terminologias obsoletas, discursos reducionistas/excludentes.



Decidi escrever esse texto porque estive refletindo sobre as impressões que talvez eu passe para outras pessoas, em especial sobre como explico os assuntos e quais palavras uso.

Vejo muitas vezes que narrativas, mesmo quando vez ou outra são mais inclusivas, acabam cometendo equívocos ou exclusões não-intencionais.

Mas como muita gente não pensa muito nelas e continua as repetindo, acho que me explicar sobre as minhas narrativas possa mostrar minhas motivações, e conscientizar todes que acham que eu "só complico" ou "só falo a mesma coisa com outras palavras" ou etc.

Primeiramente, eu não vejo sentido em falar "diversidade sexual e de gênero" ou falar de atrações num geral como apenas "sexualidades", algo que ainda é muito repetido, especialmente entre adolescentes e jovens adultes nas redes sociais. Isso porque considero a existência de mais atrações além da sexual, e nem tudo é sobre sexualidade. Por isso costumo falar prefixos ou abreviações - bi, poli, ace, etc. Se eu estiver falando, por exemplo, de bissexuais, então estarei falando especificamente de pessoas da orientação sexual bi, não qualquer pessoa bi.

Mesmo pessoas com contato com as comunidades assexual e arromântica ainda repetem esses discursos quando falam de atrações, sendo que ambas comunidades dão um panorama maior sobre essa questão.

Romanticidade é uma atração relevante, e ainda coloca pessoas em posições de privilégio ou de opressão. Monossexismo não é uma opressão exclusiva de multissexuais, mas de pessoas multi num geral. Atrações românticas dissidentes ainda são alvo da heteronorma. Se a heteronorma se referisse apenas à sexualidade, as pessoas poderiam ser heterossexuais e ter qualquer atração romântica não-hétero. E a realidade não funciona assim.

Quando falo sobre não-binariedade, eu não resumo tudo a "gêneros não-binários". Porque a não-binariedade não é apenas sobre gêneros. Há identidades que não são gêneros em si, mas descritores de ausência de gênero (como agênero), da presença de mais de um gênero (bigênero, poligênero, etc), de fluidez de gênero (gênero-fluido e outras identidades), entre outros. Dizer identidades não-binárias é o mais preciso e coerente. Dizer gêneros não-binários se refere apenas a gêneros presentes.

Referente a discriminações, faço uso constante dos nomes dos sistemas opressivos, porque às vezes não acho suficiente usar termos de discriminações quando falo de uma estrutura, e também há vezes em que situações vindas da mesma opressão são compartilhadas por pessoas de grupos diferentes.

É comum ainda pessoas usando homofobia como um termo guarda-chuva para toda discriminação contra a comunidade, ou usando homotransfobia, ou mesmo homolesbobitransfobia. Homofobia não consegue descrever todo ódio ou exclusão a afetos e relações entre homens/mulheres, porque nem sempre essas pessoas são gays/lésbicas. Homofobia também não consegue descrever a opressão vivenciada por lésbicas e bis. Mas tanto esses grupos quanto gays são alvos do mesmo grande sistema normativo: heterossexismo.

Cissexismo pode ser um termo mais abrangente, porque existem travestis que não se consideram trans (então podem achar transfobia um termo inadequado). E falei disso tudo me mantendo nos grupos LGBT. Se expandirmos a discussão para os outros grupos, percebemos ainda mais a imensa necessidade desses termos e outros (como diadismo, para falar da opressão de pessoas intersexo).

Em vez de ficar citando orientações, é mais preferível e prático optar por um termo que engloba todas elas. É o que faço com as orientações multi; ou seja, atrações por mais de um gênero. Em vez de dizer "bi+", ou "bi e outras orientações", ou "bi, poli, pan, etc", digo apenas multi. É até melhor porque não gosto da ideia de enfatizar bi como uma atração multi principal, ou ficar citando a famosa tríade bi-poli-pan enquanto outras orientações seguem sem nunca ser citadas (muita gente deve pensar "que que tem nesse etc?").

Eu poderia discorrer também sobre porque não uso termos com sufixo -fobia ou LGBTfobia, ou porque descrevo minha linguagem pessoal de gênero com artigo/pronome/flexão em vez de só um pronome ou "elu/delu", e outras coisinhas, mas há postagens explicando sobre isso tudo e as deixarei logo abaixo.

Enfim, quis apresentar narrativas mais inclusivas, que deveriam ser mais consideradas, ainda mais por pessoas com notoriedade. Tudo que escrevemos em domínio público pode chegar a qualquer pessoa, teoricamente. E precisamos pensar no máximo de pessoas possível. Precisamos rever nossas narrativas, sair da mesmice e do simplismo sem causa, pensar em inclusão e na diversidade toda. Acho que era o que eu tinha para dizer.