Olá, coleguinha. Nos conhecemos na 7ª série (8º ano). Você caiu na minha sala porque repetiu de ano. Você era a figura mais polêmica da escola.
Você era parente da diretora. E você gritava aos quatro ventos que era gay. Todo mundo ouvia. Havia quem risse, havia quem se irritasse. Havia quem ficava quieto. Era meu caso.
Você, até onde se sabe, era o único gay assumido de lá, o único LGBT declarado.
Naquela época eu desnecessária a sua auto-exposição. Seu jeito afeminado me incomodava. Eu te achava uma típica bicha feia e escandalosa do gueto.
Quando você caiu na minha sala, tive um conflito interno. Uma parte minha se lamentava, pois havia caído justo na minha sala uma pessoa inconveniente. Outra parte se sentia ameaçada, pois agora havia dois gays naquela sala.
Um era assumido.
O outro era duvidoso, escondido numa máscara de aparente heterossexualidade/ambiguidade.
Tentei ser amigável ao máximo que eu podia. Mas, assim como os demais, eu não te respeitava.
Você merecia respeito! Você merece respeito! Todo mundo merece!
A classe era maldosa, sim. Muito homofóbica. Nunca te xingamos ou te agredimos fisicamente, mas as brincadeiras eram cruéis. Era quase todo dia. Você era nosso "saco de pancada".
Zoávamos, insinuávamos coisas, até o lixo da sala colocamos em sua mochila. Você morava muito longe da escola, e nem isso a gente perdoava,
Eu fui conivente. Eu deixei acontecer. Eu participei. Eu te oprimia para a turma me aceitar. Muitas vezes gostei. Outras vezes eu ficava com culpa depois.
Eu fui um lixo com você!
Hoje, sou diferente. Me assumi, sou militante, não fico quietinho quando falam merda e todo dia trabalho internamente a desconstrução, para garantir que eu não reproduza preconceitos, inclusive a homofobia!
Homofobia dói! Você teve força suficiente para aguentar sozinho essa dor até o último ano da escola. Você dançava e sorria na formatura. Espero que tenha muito sucesso.
Devo ressaltar que não concordo com tuuudo que você fazia (você também errava). Entretanto, defeitos e faltas à parte, você teve uma coragem que demorei mais sete anos para ter.
Se eu pudesse te dizer algo agorinha mesmo, diria: me perdoe por tudo.
Escola...
Não gosto de lembrar da escola!