20 de dez. de 2017

Discursos de apagamento

Atenção: esse artigo contém muita ironia.

Talvez muita gente não saiba, mas existe uma forma de discriminação chamada apagamento. Há alguns tipos bem específicos de apagamento, e um deles são discursos superficiais que desviam o foco de uma discussão ou que ignora/diminui suas ideias.

Apagamentos são mais comuns do que imaginam. No entanto deve-se pontuar que muitas pessoas não fazem isso de propósito ou com total consciência disso. Por isso espero do fundo do coração que levem o que será dito aqui como crítica construtiva.

Nunca o discurso somos todos iguais me irritou tanto como atualmente. Você está lá junto com outras minorias abordando sobre o preconceito, suas nuances e seus efeitos, daí vem alguém - geralmente de nenhuma classe oprimida - dizendo que somos todxs iguais.

Uau! É mesmo? E onde está essa igualdade? Porque estamos nesse exato momento discutindo sobre essa igualdade teórica que nada tem de prática enquanto você está aí com as borboletas do privilégio dançando a sua volta e nos jogando as flores da utopia. Se não tem nada de útil para acrescentar, não fale nada.

Um discurso muito similar é aquele da humanidade. Ao invés das pessoas se declararem hétero, gay, bi, trans etc elas devem apenas reafirmar que são humanas.

Primeiramente, agradecemos por constatar o óbvio. Segundamente, gente preconceituosa está ciente de que somos todxs humanxs, e isso não as impede de querer exclusões e até mortes de certos grupos. E por fim, rótulos não estão "desumanizando" ninguém; eles são identidades que expressam existência e resistência. É difícil gente que até uns anos atrás não precisava de tais definições porque era tida como "normal" entender a necessidade de rótulos.

Outro dia vi uma imagem sobre opções de gênero e eram as seguintes: "homem", "mulher", e "pra que rótulos?". Olhei aquilo e pensei "que maneira criativa de apagar as identidades não-binárias". Quer dizer, enquanto as pessoas são ou homem ou mulher, tudo bem. Passou disso é "muito rótulo". E entramos novamente na questão dos rótulos. Aliás, por que ninguém questiona se homem e mulher são mesmo rótulos necessários?

E para finalizar, o discurso mais perturbadoramente irresponsável, que chamo de todo mundo sofre!!!. Ele aparece muito em discussões envolvendo violência e morte contra minorias. Daí vem alguém falando "ah, mas pessoas [insira grupo que não sofre opressão] também morrem todo dia".

Esse lixo de discurso coloca todos os grupos, minorias e maiorias, como alvos das mesmas situações e ignora violências específicas. O que me dá mais raiva é esse monte de estatística e crimes de ódio comprovando que existem violências motivadas unicamente por sexualidade e afetividade, gênero, etnia, etc e vem gente leviana com "todo mundo sofre violência". É, verdade, todo mundo sofre com alguma violência. Há muitas violências. E nem todas atingem todas as pessoas. Porra!

Não estou dizendo que agora está proibido fazer discursos bonitinhos com um viés progressista. O problema de todos os discursos apontados aqui é como e quando são feitos, quase todas as vezes em meio a discussões importantes. Cuidado com o apagamento. É uma merda. Fim.