6 de jul. de 2019

Em defesa da identidade abro

AC: exclusionismo, reacionarismo, discursos e ações contra fluidez de atração.



Essa semana o Twitter provou mais uma vez ser um espaço nada seguro e de reacionarismo contra as microcomunidades (aquelas com identidades mais incomuns ou bem específicas). A vítima dessa vez foi a abrossexualidade; a orientação abro.

(pra quem quiser conferir esse horror, apenas digite abrossexual na pesquisa do site)

Saí em defesa da identidade, apoiei pessoas sendo atacadas, fui atacade, bloqueei muites exclusionistas, enfim, uma semana bem estressante. Nem parece que semana passada era o tal mês do tal orgulho da tal comunidade LGBTQIAPN+.

Assim como no Twitter decidi escrever sobre essa identidade aqui também. Aqui é um espaço de respeito e tolerância às microcomunidades, afinal.

(Bandeira abro)

Primeiro de tudo, a definição (que muita gente não entendeu ou distorceu de propósito):

(definição com minhas palavras, mas ainda coerente)

"Uma atração muito fluída; a pessoa pode fluir entre orientações, sentir-se de orientações diferentes em períodos diferentes."

Em nenhum momento foi dito que a pessoa pode conscientemente escolher sua atração. A fluidez presente e característica dessa identidade é involuntária e natural; apenas acontece.

E, como foi dito, a pessoa se sente de orientações diferentes. Ora, não separamos as atrações por um, mais de um, e nenhum gênero por nomes? Não cria-se uma ideia clara de cada uma? Enquanto muita gente permanece em alguma dessas orientações, uma pessoa abro muda entre duas ou mais delas.

Como poderíamos resolver o impasse de alguém com uma atração assim? Deixá-la se dizer de orientações diferentes em tempos diferentes? Ou cunhar uma identidade focada nesse aspecto? 

Qualquer ume com bom senso suficiente saberia que na primeira opção haveria muitos ataques. Afinal a comunidade não aceitaria alguém se dizendo hétero, depois não-hétero, e hétero de novo, e assim por diante. Né?

Vi muita gente resumindo essa orientação em apenas bi ou pan. Principalmente, bi.

A questão é que uma pessoa abro teria períodos em que sua atração poderia sim ser descrita como bi ou pan. E, em outros períodos, não. Como exigir que a pessoa adote duas identidades tão bem definidas que, num dado momento, não a descrevem?

Já conheci uma pessoa que tinha períodos entre ter atração exclusiva por homens e ter atração exclusiva por mulheres. Poderia se dizer bi? Talvez. Se lhe fizesse sentido. Agora, sinceramente, nunca vi cogitarem incluir uma pessoa com esse tipo de atração na definição de bi. Até porque atrações fluídas - e percebi isso melhor essa semana -, ou nem são consideradas ou são atacadas fortemente.

E aliás, a Internet brasileira ainda nos faz o imenso desserviço de espalhar uma definição antiquada de que bi é atração por homem e mulher. E passam a ideia de ser algo constante. Como convencer uma pessoa que terá períodos de atração por muitos gêneros de que bi/pan a inclui? E como exigir isso quando a atração é inexistente?

Aquele velho discurso de a sexualidade humana é fluída foi... sabe-se lá pra onde foi.

O que realmente separa uma pessoa abro de pessoas das orientações mais "populares" é a constância da atração. Pessoas bi e pan se sentirão bi e pan o tempo todo, por mais que tenham preferência, por mais que a atração possa mudar a intensidade. Uma pessoa abro, não.

Está certo que microcomunidades não têm uma boa divulgação aqui no Brasil. Porém, mais uma vez, a maioria parece não querer sair de uma bolha e tentar ao menos compreender identidades menos conhecidas. E não é surpresa que os mesmos discursos feitos contra abro poderiam ser usados contra pessoas pan e a-espectrais. De fato, teve pessoas aproveitando a onda para fazer isso.

E pessoas abro podem adotar junto as orientações mais conhecidas, ou se apresentar com elas dependendo do espaço, considerando a orientação que identificam no momento, ou qual orientação costuma ser mais presente em suas vidas. Não é incomum as identidades menos conhecidas acompanharem as identidades populares.

Ainda acho que abro deveria ser também uma identidade popular, junto com a atração pomo. Creio que muita gente se encaixaria numa identidade fluída e numa identidade indefinida, já que nem todes têm uma atração constante e perfeitamente descritível nos conteúdos mais aceitos e divulgados.

Por isso também que o argumento de que confundiria pessoas se descobrindo é falho. Até parece que não existem pessoas fluídas desde sempre. E mais, se a pessoa depois vier a se descobrir melhor e não for abro, ela apenas deixa de se identificar como tal. Uau! Que simples, não?

Para finalizar: a orientação abro é válida, deve ser respeitada, não invalida orientações multi, e definitivamente não contribui com a opressão vivida pela comunidade LGBTQIAPN+. Quem quis entender ou rever seus conceitos, ótimo. Reaças da comunidade, queimem. Beijos de luz.