12 de abr. de 2017

Uma carta para o gay anti-militância

Olá, senhor gay que é contra a militância LGBT.

Como está? Tudo bem? Espero que sim.

Espero que esteja seguro em seu quarto ouvindo suas divas pop, ou passeando de boa pela rua, ou bebendo com os amigos em alguma balada, ou até tendo uma transa gostosa com algum bonitão que viu no aplicativo.

Você diz que não gosta de militantes e ativistas. Diz que acha militância desnecessária. Até diz que o movimento LGBT é que promove a desigualdade, porque "se separa" do resto da sociedade.

Bom, você sabe como começou o movimento LGBT? Em 1969, nos Estados Unidos, o sistema era hostil com homossexuais. Policiais invadiram um bar chamado Stonewall Inn, conhecido como um bar gay, e LGBTs se uniram em protesto contra a violência da polícia. Isso marcou a libertação gay nos EUA. E surgiu o "movimento gay", que se desenvolveu e se expandiu por lá e pelo mundo até se tornar o que é atualmente.

Mesmo que você tenha milagrosamente assistido ao filme Stonewall, que fala justamente sobre esse evento, saiba que o filme mentiu. Quem protagonizou o protesto não foi nem um homem gay, foram duas mulheres trans e negras da época.

Lembre-se disso quando falar mal ou fazer piada sobre pessoas trans, ok? O "movimento gay" começou por iniciativa das trans!

Até o ano de 1990 a homossexualidade (na época, homossexualismo) era classificada como um transtorno mental pela OMS (Organização Mundial de Saúde). E após anos e anos de barulho, foi desconsiderada. Sabe quem fez o barulho? Militantes e ativistas de vários países!

Detalhe: mesmo assim a homofobia ainda existe! Muitos jovens gays são expulsos de casa, agredidos em público, e até assassinados. Você pode não correr esse perigo, mas tem gente passando por isso. E militantes e ativistas estão lutando pelo fim dessas atrocidades. Não são apenas crimes, são crimes de ódio, um ódio específico - ódio contra homossexuais.

Hoje você pode se assumir nas redes sociais, seguir páginas LGBTs, entrar em grupinhos para trocar nudes e conhecer outros como você. Sabe por quê? Porque por anos a militância esteve enfrentando a sociedade para incluir LGBTs como pessoas comuns e dignas do mesmo respeito e direitos que heterossexuais-cisgêneros.

Agora temos até aplicativos de relacionamento gay, como o Grindr, onde você pode marcar sexo com um cara de pau grande e malhado. De onde veio esse direito? Foi dado de mão beijada? Não, foi graças às ações de militantes LGBTs pela liberdade sexual e individual.

E veja você aí, assumindo para o mundo inteiro que é gay e contra a militância. Após muito muito muito tempo de luta, a militância conseguiu o direito de você se assumir tranquilamente. Tamanha é sua liberdade atual que você pode até desmerecer todo o trabalho dela!

Aí você pode dizer agora que essa "militância virtual" que é o verdadeiro problema, que escrever textão no Facebook e ficar problematizando é desnecessário. Olha, filho, pode ser desnecessário para você, mas para um jovem que acabou de se descobrir e só tem a Internet como contato com o universo LGBT, pode significar muita coisa.

Ninguém está te obrigando a levantar a bandeira e sair na rua protestando. Você não é obrigado a ser militante. Porque ser militante é sair da zona de conforto e peitar o sistema, a sociedade. Nem todos têm cabeça pra isso.

Apenas pense em tudo isso antes de se posicionar contra a militância LGBT. Não vale aproveitar os direitos conquistados e cuspir no rosto de quem os conquistou. É feio.

Talvez você tenha uma vida confortável o suficiente para não sentir os males da homofobia (e ela ainda existe, ok?), mas foi por causa de quase cinco décadas de militância que agora você não está internado numa clínica levando choque só por sentir tesão em homem.

Ah, você não gosta de militantes porque apontam e criticam seu machismo, sua lesbobitransfobia, seu racismo, seus preconceitos? Ao invés de ficar chorando, tenta refletir um pouco sobre isso.

E reflita sobre seus privilégios, afinal você ainda é um homem numa sociedade machista, então você pode reproduzir opressão contra a mulher. Se for branco, pode reproduzir racismo. E lembre-se que não existe só homem/mulher e heterossexuais/homossexuais no mundo, tá?

O mundo está caminhando. Cuidado para não ficar para trás. E não atrapalhe quem está tentando melhorar algo. Não tem nada a acrescentar? Fique na sua então.

Beijinhos coloridos.