28 de fev. de 2018

Linguagens elitizadas?

O que estive mais vendo e ouvindo recentemente são discussões a respeito do quanto o acesso à informação está limitado para populações mais periféricas, e das linguagens elitizadas usadas por pessoas com acesso a essas informações e os espaços com essas informações.

As discussões são válidas até certo ponto, quando não tomam o rumo que vejo frequentemente tomarem. Quando certas pessoas apontam elitismo, elas se referem ao monte de termos e definições  criado até agora para explicar sobre toda diversidade da comunidade LGBTQIAP+. É aí que essas pessoas prestam um imenso desserviço.

Pra começar, sim, eu estou ciente de que populações periféricas não têm o mesmo acesso ao conhecimento que gente das outras classes socioeconômicas. E mesmo gente de classe média-alta pode ser ignorante, pois ter acesso não significa ter interesse no conhecimento.

Ninguém está propondo chegar nas periferias com palavras difíceis e explicando dezenas de conceitos de uma vez, e esperar que todes entendam rápido e se desconstruam em um minuto. Isso não acontece com nenhuma pessoa. É um processo. E não respeitar esse processo e ainda não ter a didática necessária para se comunicar com as pessoas seria sim muito elitismo.

Agora, pessoas com esse discurso aparentemente solidário o fazem se referindo a identidades, terminologias inclusivas e conceitos explicados da maneira mais correta possível.

Falar sobre orientações multi ou do espectro A "é muito elitista". Usar termos que não discriminem certos grupos "é muito elitista". Explicar sobre orientações, gêneros e sexos biológicos de maneira atualizada "é muito elitista".

Sabe o que é muito elitista? Presumir que a periferia é incapaz de absorver novas informações e de entender certos conceitos da maneira como devem ser entendidos. Pessoas são capazes de aprender. Basta ter paciência e didática e se esforçar.

Sem contar que esse "montão" de identidades está tão grande e continua aumentando porque existe uma infinidade de experiências e vivências. E com certeza há pessoas da periferia que podem se encontrar em identidades até recentes. Esconder essas identidades delas é necessário porque a pessoa "pode não entender a definição"? Acham mesmo que a própria pessoa não entenderá algo que a descreve?

Você pode até julgar necessário usar uma linguagem ultrapassada e até discriminatória para se comunicar com determinadas pessoas. Mas em algum momento você é sim obrigade a apresentar uma linguagem mais precisa. Como fazer isso? Bom, isso cabe somente a você. Assumir a missão de ensinar precisa de planejamento e preparação, tenha isso em mente.

A periferia tem capacidade de aprender. Afinal ela também desenvolve terminologias e conceitos própries - mesmo que algumes possam ser discriminatóries ou equivocades. E as subculturas periféricas têm identidades válidas e até políticas. Mas trazer um conhecimento que não perpetua opressões é mais do que necessário para que as pessoas se entendam e entendam as outras, e isso vai construindo uma rede progressiva de tolerância e respeito, e até fortalece a participação política das periferias.

Não é difícil explicar que tal palavra está errada por tal motivo, não é difícil dizer que existe tal conceito para definir tal coisa, não é difícil falar uma palavra nova e sua utilidade. Repito, é um processo. Ter paciência e didática são fundamentais.

Já que falam tanto em linguagens elitizadas e acesso limitado à informação, que tal começarem a discutir em como tornar um conhecimento livre de opressões acessível e compreensível? Não é melhor? Porque se acham melhor continuar usando linguagem discriminatória e equivocada, parabéns, vocês provam que não se importam de verdade com toda diversidade. E nem com a periferia. Quem se preocupa, educa.

E não, não precisa encher a cabeça das pessoas com incontáveis palavrinhas novas. Listas e glossários existem justamente para organizar termos e definições num lugar só. As pessoas podem esquecer coisas. E não são realmente obrigadas a memorizar tudo que existe.

Vale lembrar também que as pessoas no fim escolhem aprender ou não. Quem não faz esforço para entender ou não mostra nenhum interesse não deve ser considerade como ignorante. Fazemos nossa parte: passar conhecimento. Se a pessoa não o aceita, daí é problema dela.

Se você chama uma linguagem inclusiva e correta de elitizada, você é muito desoneste, tem preguiça de ensinar, está sendo excludente com muita gente, e pensa de forma elitista.



24 de fev. de 2018

Não-binariedade: Conceitos

A não-binariedade é toda identidade que de alguma forma está fora do padrão binário homem-mulher imposto pela sociedade. O conceito mais atual de uma pessoa não-binária é: toda pessoa que não é totalmente homem ou totalmente mulher.

Existe uma diversidade imensa e talvez infinita de identidades n-b, podendo ser:

- variações de homem ou mulher;
- gêneros masculinos relacionados ou não com homem;
- gêneros femininos relacionados ou não com mulher;
- gêneros relacionados com androginidade ou neutralidade;
- gêneros fora do espectro de feminino, masculino, andrógino e neutro;
- gêneros desconhecidos ou até incompreensíveis;
- vivências de múltiplos gêneros, periodicamente ou ao mesmo tempo;
- fluidez entre dois ou mais gêneros, podendo partir da presença até a ausência de gênero;
- ausência parcial ou total de gênero;
- e muitas outras.

As pessoas podem ser não-binárias não apenas pela sensação de não se encaixar no homem ou na mulher bináries, mas também apenas por rejeitar o conceito de gênero ou pela vontade consciente de transgredir a cisnormatividade. Ser não-binárie pode ser um sentimento ou uma performance.

Há identidades exclusivas de pessoas neurodivergentes ou pessoas intersexo, e gêneros restritos de culturas, mostrando que o gênero de alguém pode ser influenciado por condições mentais, corporalidade ou cultura. E essas exclusividades devem ser respeitadas.

Seja você registrade como homem ou mulher no nascimento ou alguém que transicionou para um desses gêneros, deixou de se identificar com ele, mesmo que por um dia, isso te torna uma pessoa não-binária por definição. Claro, se assim quiser. A não-binariedade não é uma regra ou uma imposição, ela é justamente a quebra de regras e imposições.

Inclusive, você pode se encaixar nos estereótipos de um gênero, ter apresentação e expressão socialmente "de acordo" com seu gênero de registro, ser indiferente com seu gênero de registro ou como as pessoas te percebem, e ainda ser não-binárie.

Pelo conceito de transgênero, todas as pessoas n-b são trans. Porém, há não-bináries que não se identificam como trans ou não dizem ser trans, e isso deve ser respeitado. Em todo caso, pessoas n-b podem ou não ter disforias com o corpo, necessitando de cirurgias e hormonizações assim como a maioria das pessoas trans binárias.

Genderqueer (ou gênero queer) é um termo muito utilizado na anglosfera e pode ser adotado por qualquer pessoa que não seja cis. É considerado como uma forma mais radical de ser contra a cisnormatividade, por isso, assim como queer, é uma identidade mais política. No entanto há pessoas cis que usam esse termo para definir suas quebras de normas de gênero - os papeis ("homem tem que fazer isso, mulher nasceu pra fazer aquilo") e as apresentações (homem tradicionalmente masculino e mulher tradicionalmente feminina).

Segue abaixo dois conceitos usados por não-bináries para explicar melhor suas identidades:

Alinhamento de gênero: é um conceito um tanto abstrato e pode fazer mais sentido para não-bináries. Um alinhamento é como uma conexão com um gênero, ainda que a pessoa não seja desse gênero. Não-bináries podem falar em alinhamento para explicar que suas experiências são similares com o do gênero alinhado.

É comum pessoas n-b se dizerem alinhadas com o gênero masculino ou gênero feminino. Porque como homem e mulher são os gêneros impostos e validados pela sociedade, muites não-bináries acabam tendo vivências relacionadas com um desses gêneros ou mesmo ambos.

Pode haver alinhamentos com qualquer gênero. Há não-bináries que não têm alinhamento também. Em todo caso, alinhamentos dizem respeito às vivências da pessoa, por mais complexas e subjetivas que sejam, e podem ou não influenciar na própria identidade de gênero ou mesmo a expressão de gênero.

Elemento de gênero: é uma característica a mais - além de identidade, expressão e alinhamento - que de alguma forma interage com o gênero da pessoa. Essa característica está relacionada com os conceitos de masculinidade, feminilidade, entre outros.

Geralmente quando uma pessoa é de determinado gênero e diz ser masculina/feminina/neutra etc, ela está se referindo ao elemento. Por isso também é um conceito acessível para cis e bináries, pois há homens que dizem ser femininos e há mulheres que dizem ser masculinas. E tal "essência" pode ou não ser externalizada (no caso, na expressão de gênero).



E sobre as bandeiras que coloquei logo abaixo, a bandeira não-binária foi criada por uma pessoa n-b chamada Kye Rowan em 2014. As faixas representam estar fora do binário (amarela), pessoas de múltiplos gêneros (branca), as experiências fluídas ou múltiplas e pessoas dentro do espectro feminino-masculino (roxa), e ausência de gênero (preta). E as faixas da bandeira genderqueer, criada por Marilyn Roxie em 2011, representam androginia e queer (lavanda), ausência de gênero (branca), e identidades fora do binário (verde).

Enfim, essa foi a introdução sobre a não-binariedade que agora será abordada e explorada aqui no blog. Em breve falarei sobre outros tópicos.





17 de fev. de 2018

Lista de discriminações

O artigo de hoje será simples. Vou apenas passar essa lista, colocando os termos mais atualizados de acordo com o que já falei sobre as palavras de sufixo -fobia e termos referentes às discriminações não relacionadas com a diversidade sexual e de gênero.

Discriminações contra a comunidade LGBTQIAPN+

Dicisheterossexismo: contra toda a comunidade.
Queermisia: contra a comunidade, ou também contra pessoas queer e a identidade queer.

Discriminações relacionadas à orientação

Heterossexismo: contra heterodissidentes em geral, incluindo todo tipo de atração.
Homomisia: contra homossexuais (muito mais usada para gays).
Lesbomisia: contra lésbicas.
Bimisia: contra pessoas bi.
Panmisia: contra pessoas pan.
Monossexismo: contra pessoas multi e também dos espectros A.
Alossexismo: contra pessoas assexuais e arromânticas e de todos os espectros A.
Acemisia/Amisia: contra pessoas assexuais e do espectro.
Amatonormatividade: contra pessoas arromânticas. Pode também atingir algumas pessoas não-monogâmicas.
Aromisia: contra pessoas arromânticas e do espectro.
Periorientismo: contra pessoas variorientadas.

Discriminações relacionadas a gênero

Sexismo: discriminação com base em gênero.
Misoginia: contra mulheres.
Misoginoir: contra mulheres negras.
Cissexismo: contra pessoas transgêneros/que não são cis.
Transmisia: contra pessoas trans (mais usada para as binárias).
Transmisoginia: contra mulheres trans e pessoas transfemininas (ex: muitas travestis).
Travestimisia: contra travestis.
Enebemisia/Exorsexismo: contra pessoas não-binárias e a não-binariedade.
Exormisoginia: contra pessoas não-binárias que são parcialmente/eventualmente mulher (ou que sentem que misoginia se aplica a elas).
Reducionismo de gênero: exorsexismo que reduz pessoas não-binárias a um dos gêneros binários.
Binarismo: contra todas as pessoas fora do padrão binário imposto, o que inclui pessoas trans/não-binárias, pessoas intersexo, e pessoas com identidades de gênero exclusivas de culturas ameríndias e não-ocidentais.
Fememisia: contra feminilidade.
Mascunormatividade: contra toda expressão que não seja a tradicional masculina; pode também beneficiar outras masculinidades (em qualquer pessoa).

Discriminações relacionadas à corporalidade e saúde

Inter(sexo)misia/Diadismo: contra intersexos.
Gordemisia: contra gordes.
Capacitismo: contra PCDs (pessoas com deficiência, incluindo com neurodivergências).
Psicomisia: contra pessoas neurodivergentes/neuroatípicas.
Soromisia: contra soropositives.

Discriminações relacionadas à raça, etnia e cultura

Nativismo: contra imigrantes.
Etnocentrismo: contra uma cultura ou outro país.
Racismo: contra uma etnia ou raça; atualmente os racismos mais conhecidos são contra raças de origem africana, ameríndia e asiática, sues descendentes e pessoas multirraciais.
Xenomisia: contra estrangeires, seja de outra cidade, outro estado, ou outro país.
Islamomisia: contra muçulmanes e sua doutrina e cultura.
Antissemitismo: contra o povo judeu e sua cultura.

Discriminações relacionadas à classe social

Classismo/Elitismo: contra classes econômicas "menores".
Academicismo: contra pessoas analfabetas ou com pouca escolaridade/conhecimento linguístico.
Aporomisia: contra pobres.
Putemisia: contra profissionais do sexo e a profissão.

Outras discriminações

Etarismo: contra idoses.
Ateomisia: contra ateístas.
Mononormatividade: contra pessoas poliamoristas e não-monogâmicas em geral.



14 de fev. de 2018

Opressões interligadas

Por que falar de todas as opressões? É possível focar apenas em uma?

Bom, tendo isso em mente, vamos analisar os três sistemas opressivos que geram todas as discriminações sofridas pelas pessoas da comunidade LGBTQIAP+: a heteronormatividade (imposição da orientação e relação hétero), a cisnormatividade (imposição da cisgeneridade) e o diadismo (imposição dos corpos perissexo).

Como já falei num outro artigo, todos esses sistemas agem em conjunto no mundo inteiro, embora haja vezes em que podem agir individualmente. Mais do que isso, possuem fortes ligações entre si. Vou fazer três constatações que mostram melhor isso.

Toda pessoa cisnormativa é diadista, mas não necessariamente heteronormativa.

Dentro da cisnormatividade há a imposição de que sexo define gênero. E dentro dela também somente dois gêneros são válidos: homem e mulher.

Pois bem, se há um corpo que não é perissexo testiculado ou perissexo ovariado, dificultando que seja classificado como masculino ou feminino, esse corpo - intersexo - é definido como uma anomalia e que precisa ser corrigida. Se sexo define gênero e só existem dois gêneros, logicamente esse mesmo pensamento valida apenas os perissexos.

Toda pessoa heteronormativa é também cisnormativa e, com isso, diadista.

A identidade hétero foi historicamente construída para mulheres e homens cisgêneros e perissexos.

É praticamente impossível existir alguém que valida um casal hétero onde uma ou ambas as partes são trans ou intersexo enquanto discrimina casais do mesmo gênero ou heterodissidentes. Além disso, a heteronormatividade automaticamente excluí os gêneros não-binários, a opressão chamada exorsexismo, que está dentro da cisnormatividade.

É possível uma pessoa não ser heteronormativa e cisnormativa, mas ainda ser diadista.

Mesmo que haja tolerância com toda orientação não-hétero e a transgeneridade, a sociedade, majoritariamente composta por perissexos, ainda pode tratar os corpos intersexo como anomalias. A corporalidade é um aspecto separado de orientação e gênero e traz discussões específicas; como quais corpos/genitálias são atraentes e quais não são.

É possível também uma pessoa perissexo e trans (binária ou não-binária) ter pensamento diadista. No entanto, devido às semelhanças entre as vivências de transgêneros e intersexos, a opressão ocorre com frequência muito menor em comparação com pessoas cis.



Esse texto foi apenas uma análise minha para apontar que esses sistemas estão muito interligados. Não são construções separadas que depois se uniram, elas nasceram unidas. Logo, seguindo essa linha de raciocínio, devem ter a mesma origem, partir da mesma raiz. Qual? Não sei responder ainda. Há muito o que estudar.

Em todo caso, o conteúdo aqui apenas reforça a necessidade de se falar constantemente de todos os sistemas, pois no fim eles atingem todos os segmentos da comunidade de uma forma ou de outra. Nosso discurso e nossa militância precisam ser interseccionais ao máximo.



10 de fev. de 2018

Sejam Bem Viados

No domingo minha avó veio de súbito aqui no meu quarto e perguntou da plaquinha que coloquei na porta. Na plaquinha está escrito Sejam Bem Viados num fundo de rosas vermelhas. Achei até que demorou pra alguém dessa casa reagir. E acho natural que surgisse alguma reação.

Ela veio me perguntando, meio desconsertada meio incomodada, o motivo de eu colocar aquilo. Eu ri porque achei engraçado ter causado essa reação nela.

Daí expliquei que aquilo é uma espécie de brincadeira, um bordão LGBT. E que não me importo de mostrar aquilo, afinal é a porta do meu quarto. Sei que ela não aceitou totalmente, mas ela nem discutiu, e eu deixei claro que não vou retirar.

E isso me inspirou a escrever. Engraçado também que essa semana mesmo vi uma situação quase idêntica, mas foi com um tapete com a mesma frase, e o síndico do prédio da pessoa reclamou, alegando que a frase é "ofensiva" e que lá tem crianças e idoses.

Sejam Bem Viados não é ofensivo, não é só pra chamar a atenção ou incomodar gratuitamente, e muito menos uma tentativa de "incentivar" as pessoas a serem gays (tem gente que acredita nisso).

Sejam Bem Viados é resistência, é desafiar um sistema que diz que viado é errado e não pode existir. E quando pode existir, tem que ser escondido, longe dos olhos dessa "sagrada" sociedade.

Porque a plaquinha não pode. Então acatamos e tiramos a plaquinha. Daí em seguida não querem que levamos nosse parceire em casa. Depois não podemos falar mais sobre nossa orientação e/ou identidade de gênero. Quando menos esperamos, voltamos para o armário, para a obscuridade, para a invisibilidade.

O sistema é violento. Ou nos quer mortes ou nos quer invisíveis. Em todo caso existir não é opção. Por isso precisamos reagir. E se acham a plaquinha exagero, não viram nada! Vai ter plaquinha, muita plaquinha, e tapete, e até outdoor se possível!

Eu sei que não é a minha avó que a plaquinha revolta. É esse sistema heteronormativo. Esse mesmo sistema que faz pessoas como ela rejeitarem a diversidade quando a mesma se torna evidente, quando a mesma reage.

Temos que marcar presença, sim! Temos que falar a palavra viado, mostrar que viado pode existir! Temos que aparecer, que nos "exibir", que colorir e enviadar nosso redor!

Além disso, a mensagem está lá para quem quiser aceitá-la. Quem não quiser, tudo bem. Vejo muitas mensagens por aí - "Aceite Jesus", "Venha visitar nosso hotel", "Compre nosso mais novo depilador de pernas" - que apenas ignoro porque não tenho interesse nelas. Simples, não? ^-^

E para finalizar: Sejam MUITO Bem Viados! 🏳️‍🌈




7 de fev. de 2018

Uma sigla enorme!

Essa semana começou com uma polêmica: ativistas gays do Reino Unido afirmaram que a nova sigla da comunidade LGBTQIAP+ mundial é: LGBTQQICAPF2K+. Essa sigla é recente, cerca de duas semanas. A revista The Gay UK a anunciou, e só agora a notícia chegou aqui no Brasil.

Vou decifrar a sigla para vocês antes de comentar: lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers, questionando, intersexos, curioses, assexuais, agêneros, aliades, polissexuais, pansexuais, família & amigues (family & friends), two-spirit, kink e demais orientações e identidades de gênero. Ok...

Os meios de notícia fizeram um sensacionalismo barato em relação a isso. Um pequeno grupo de ativistas gays desconhecidos e que estão lá no Reino Unido sequer têm força pra decidir qual sigla o mundo deve usar. E, sinceramente, suspeito que certos veículos tenham propagado essa notícia mais com a intenção de atrair chacota contra a comunidade.

Bom, eu defendo expansões da sigla (tanto que uso uma) e quem as criticam ou não tem consciência da importância de dar visibilidade para outros segmentos, ou apenas não se importam e acham que LGBT é "suficiente". Por isso costumo rejeitar críticas vazias às expansões. Mas vale lembrar que elas não são obrigatórias. E não, não existe uma sigla correta ou global.

Porém, expansões também precisam ter coerência. E essa definitivamente não tem isso...

Dobraram a letra Q por haver mais de um grupo com essa letra. No entanto, A e P também têm mais de um grupo e não dobraram. Incoerente, mas não foi o pior erro desses tais ativistas.

O grupo Questionando são pessoas incertas sobre sua orientação e/ou gênero. Não há real problema na inclusão, mas ela não é necessária. Curioses, pessoas que podem ter experiências sexuais fora de suas orientações, menos necessária ainda.

Agêneros são incluídes por outras organizações e, embora estejam teoricamente dentro da não-binariedade, muites não se consideram n-b (pela própria ausência de gênero). A comunidade agênero deveria se reunir para discutir esse tópico.

Sobre aliades, me recuso a comentar (já falei disso). Pior que isso foi esse F, que inclusão mais sem sentido e ridícula, parece piada com todos os segmentos verdadeiros.

O 2 (que normalmente é 2S) é para two-spirit, uma identidade exclusiva de culturas nativas da América do Norte. Não entendi porque ingleses falaram desse segmento. E se fôssemos incluir gêneros restritos de culturas numa sigla global, deveríamos incluir também as hjiras da Índia e outras identidades. E por isso que 2(S) é uma inclusão válida, mas apenas na América do Norte.

E kink, que são basicamente fetichistas, têm todo um histórico de perseguição e estão próximes da comunidade. No entanto, a inclusão na sigla não faz sentido algum.

Para finalizar, esses ativistas são tão tão inclusivos que nem cogitaram adicionar N de não-bináries, algo que alguns grupos virtuais anglófonos já estão fazendo. Se consideram pessoas n-b como parte do T ou se esqueceram delas, não sei dizer (estou inclinado a crer na segunda opção).

Agora, embora seja compreensível a rejeição que vi da grande maioria das pessoas LGBTQIAP+ nas redes sociais, dentro dessa parcela teve gente fazendo declarações excludentes. Gente zoando com todas as letras depois do LGBT (porque pessoas QIAP+ que se fodam), falando que a sigla reduzida LGBT é a correta ou até pedindo a volta de GLS, e zombando da visibilidade que as expansões deveriam promover.

E sabem que outra parcela da população estava tirando sarro da sigla e se aproveitando da situação para fazer chacota contra a comunidade inteira? Isso mesmo, a escória reacionária de sempre, que não perde nenhuma oportunidade de atacar a comunidade.

LGBTs excludentes e reaças, ambes a 80 km/h, quem passa primeiro pela linha da vergonha da humanidade? Valendo!

É realmente difícil pedir o bom senso da própria comunidade sendo que muites não entenderam ou não aceitam nem as expansões mais coerentes. A situação é deprimente. E tudo foi causado por uma notícia sensacionalista.

Tanto esforço e tanta atenção usades contra uma sigla que nem deveria ser levada a sério ao invés de algo bem mais produtivo e útil para a comunidade. Esse pessoal precisa rever suas prioridades.



3 de fev. de 2018

Explicando gênero

Olá, pessoas. O tio voltou aqui com uma nova analogia simples e didática para explicar a vocês todes o que são gêneros binários e não-binários e o que são pessoas cis e pessoas trans.

O sistema cria casinhas de base quadrada e cores azul ou rosa. Nas casinhas azuis colocam quem tem pênis. Nas casinhas rosas colocam quem tem vagina. Quem é intersexo, tentando encaixar em alguma dessas duas casinhas.

A base quadrada representa a identidade social padronizada. E as cores são as noções de masculinidade e feminilidade criadas socialmente.

Bom, as pessoas nascem e são colocadas dentro dessas casinhas. Elas são o gênero delas, pois nós, a princípio, vivemos dentro dos gêneros. No caso, todes têm um momento de viver dentro do gênero binário imposto.

Há pessoas que crescem dentro da casinha sem questionar, se conformam com ela, e ainda acreditam que as casinhas e a separação feita das pessoas são corretas. Essas pessoas são cisgênero e também cisnormativas, podendo ser só ignorantes ou conscientemente opressoras.

Há pessoas que crescem dentro da casinha, podem até questioná-la ou questionar a existência das casinhas, mas ainda se sentem à vontade dentro delas. São pessoas cis também, mas com alguma consciência, podendo até ser aliadas contra a cisnormatividade.

Há pessoas que crescem dentro da casinha, mas não se conformam muito com ela. Então decidem reformá-la, modificando partes das estruturas ou adicionando outras cores. Essas pessoas são cis, mas são não-normativas. Aqui inclui as pessoas cis que expressam não-conformidade de gênero, principalmente homens afeminados e mulheres bofinhos.

Há pessoas que crescem dentro da casinha e não a aceitam. Não importa quanto tempo leve, a pessoa se rebela e rejeita totalmente a casinha. Essas pessoas são transgênero, podendo ser binárias ou não-binárias.

E o que as pessoas transgênero fazem? Simplesmente saem da casinha e constroem uma nova para si. Pode ser a outra casinha que o sistema não lhe impôs (pessoas trans binárias) ou pode ser uma nova (pessoas n-b). E então temos diversas casinhas com todo tipo de base, novas estruturas, e cores exclusivas. Aqui pode existir de tudo (para a infelicidade do sistema).

Como explico meu próprio gênero: eu vivi na casinha imposta por muito tempo, e cheguei a fazer minhas reformas (pois também sou pessoa não-normativa), mas chegou um momento que olhei para  a casinha e ela não era mais suficiente. Então fiz minha própria, com uma base retangular (similar ao quadrado) e no centro da minha casa pintei de cor cinza, representando a neutralidade que sinto. As paredes em volta ainda são azuis, pois me expresso como homem, mas no meu centro sou neutro; nem masculino, nem feminino, um equilíbrio entre ambos.

Era só isso. Espero que essa analogia tenha feito sentido.