30 de nov. de 2017

Expectativas familiares

Genitores, principalmente pais e mães tradicionais, costumam planejar roteiros de vida para seus bebês, antes ou pouco tempo depois de nascerem, criando muitas expectativas sobre o que eles serão e farão.

De todas as expectativas, há três que já vi com frequência e sinto necessidade de problematizar:

- Que sigam a carreira que não puderam seguir
- Que cresçam para cuidar na velhice
- Que tenham filhos para assim terem a experiência de serem avôs

Tá, vamos analisar cada item.

Primeiro item. Talvez a pessoa tenha prazer e consiga sucesso na carreira que seus genitores não puderam seguir. Mas impor isso é, antes de tudo, ir contra o direito de escolha da pessoa. Sem contar que esperar que os filhos compensem por seus fracassos e frustrações é uma atitude tóxica para ambos os lados.

Sobre o segundo item, é sim louvável e uma demonstração de gratidão os filhos atenderem às necessidades dos genitores na velhice. Agora, colocar isso como uma das principais expectativas é um ato de muito egoísmo. Afinal, querem criar pessoas ou cuidadores? Não seria melhor planejar uma velhice saudável e independente, que é totalmente possível atualmente? E mais, o que garante que viveremos até a fase idosa? Ninguém sabe o dia de amanhã.

E finalmente, o item que parece mais inofensivo e na verdade é o pesadelo de muitxs jovens LGBTs: esperar que a pessoa procrie. Pensar nos bebês do bebê é um pensamento fundamentalmente heteronormativo. Além de que pode haver homens ou mulheres hétero-cis que não desejam procriar. Ou de repente podem não ter capacidade reprodutiva.

Ainda sobre o terceiro item, muitas famílias, mesmo com toda essa discussão e abordagem recentes sobre diversidade, ainda esperam que as crianças nasçam heterossexuais cisgêneros perissexos. Podem até dizer que não, mas a maioria tem essa idealização. Mesmo que sem intenção ou consciência, essa idealização pode causar alguma pressão na criança.

É comum algumas pessoas falarem que não querem que as crianças se descubram LGBTs porque "não querem que sofram". Sei que não é a intenção, mas essa frase é muito problemática. Primeiramente, e repito, genitores não têm que querer nada relacionado com a intimidade dos filhos. E segundo, não querer que alguém seja de um grupo alvo de discriminação por sofrer discriminação é querer se livrar do efeito, e não a causa. Que tal lutar contra as discriminações?

Enfim, minha mensagem é que as famílias criem pessoas e se preocupem com a felicidade pessoal delas. Deixem-nas fazer o próprio roteiro de vida. Deixem-nas ser quem são.



26 de nov. de 2017

Comentando uma notícia

A polêmica desta semana é uma daquelas que me faz querer me corroer de raiva com a hipocrisia e o preconceito internalizado. E, claro, evidentemente, envolve a escória conservadora do país.

Nas redes sociais repercutiu um vídeo de dois garotos na festa de aniversário de um deles. Eles se beijam, na mesa tem um bolo da Pabllo Vittar e o pessoal cantando a versão vulgar do Parabéns Pra Você. Foi isso.

Então vieram reações negativas dos conservadores e também de uma quantidade considerável do público LGBT+. Focaram no fato de que são "crianças" e, portanto, "não deveriam estar namorando".

Primeiramente, crianças eles não são, pois um tem 13 e o outro 14 anos. Se ambos têm ou não a maturidade necessária para um relacionamento, é algo a ser discutido. Particularmente não vejo grande mal nisso. E pegando esse gancho, acho incrível como um monte de gente agora decidiu se preocupar com garotos de 13+ anos namorando!

Quantas pessoas não iniciaram a vida afetiva e/ou sexual aos 13 anos, a idade geral do início da puberdade? Não estou dizendo que porque muitos fizeram então está certo. Mas por que se preocuparam agora quando a polêmica envolve um casal gay?

E afinal de contas, as famílias estão perfeitamente cientes da relação e ambos os adolescentes estão sob a responsabilidade delas. Isso é por lei, inclusive. Ninguém tem nada a ver com isso.

Duvido muito que se fosse um casal hétero haveria esse escândalo todo! O real e único motivo foi serem dois jovens gays namorando!

E assim como na polêmica do homem nu no museu, vemos a mesma escória reacionária querendo falar de "sexualização de crianças" sendo as mesmas pessoas que: forçam pareamento entre meninos e meninas desde sempre, estimulam os meninos desde cedo a paquerarem e assediarem meninas e mulheres, erotizam as meninas até antes da puberdade com roupas e maquiagens, e empurram a heteronormatividade para as crianças.

Para quem for falar da droga da música, sim, concordo que seja vulgar. Agora pergunto: quantos de vocês já não cantaram isso em outras festas na presença de crianças? E mais, acham mesmo que esses dois meninos não estão expostos constantemente à sexualidade na mídia e principalmente na Internet? Ah, por favor!

E para finalizar, os garotos foram atacados nas redes sociais com todo tipo de mensagem de ódio e repúdio. Tudo isso foi causado por um beijo. Um beijo gerou toda essa revolta. O beijo claramente não é o maior problema e nunca foi.



18 de nov. de 2017

Categorias de gênero

Há quatro categorias de gênero no mundo. A grande maioria das fontes de informação disserta apenas sobre duas – cisgênero e transgênero. Aqui falarei as definições de cada categoria.

Vale ressaltar que essas categorias não são usadas como identidades de gênero em si. São classes de identidades. Não é correto, por exemplo, identificar um homem cis como apenas cis, ou uma mulher trans como apenas trans, e etc.

Cisgênero: definição para as pessoas que se identificam com o gênero designado no nascimento. Ou seja, mulheres e homens cis, que estima-se que sejam a grande maioria da população mundial. Esse termo deveria ser exclusivo para as pessoas perissexo; quem nasceu com um sexo identificável e dentro dos conceitos científicos de “sexo feminino” e “sexo masculino”. No entanto, há pessoas intersexo que preferem o termo cis.

Ipsogênero: um termo exclusivo para pessoas intersexo que se identificam com o gênero designado no nascimento. Seja a pessoa mulher ou homem, intersexos não possuem os mesmos privilégios que perissexos cisgêneros (principalmente autonomia sobre seus corpos e validação de seus sexos), por isso a necessidade de se criar um termo separado de cis.

Obs: a palavra quase nem é conhecida pela comunidade intersexo brasileira. É importante falar sobre sua existência, pois pode auxiliar na militância intersexo.

Transgênero: se refere a toda pessoa que não se identifica com o gênero designado no nascimento. É um grupo que pode ser dividido em pessoas binárias e pessoas não-binárias. As binárias são sempre aquelas que se identificam com o gênero binário que não foi designado; ou seja, mulheres e homens trans. As não-binárias representam uma enorme diversidade de identidades, possivelmente infinitas, entre elas: gênero neutro, andrógine, bigênero, pangênero, agênero etc. Há algumas pessoas não-binárias que podem se apresentar apenas como “trans não-binárix”. Pessoas trans podem ou não querer fazer mudanças corporais.

Obs1: conceitualmente, as travestis se encaixariam nessa categoria - muitas como binárias (mulheres) e algumas como não-binárias ("terceiro gênero"). Porém, há várias que não se rotulam como trans e isso deve ser respeitado.

Obs2: no Brasil ainda é muito utilizado o termo transexual. Inicialmente foi cunhado para definir as pessoas trans que desejavam e faziam mudanças corporais, principalmente a transgenitalização. Hoje em dia é mais usado da mesma forma que transgênero (a comunidade trans brasileira ainda discute a aceitação desse termo).

Obs3: muitas fontes cometem o erro de falar em três opções de gênero: homem, mulher e não-binário. Embora não-binárix seja termo guarda-chuva, reduzir todas as identidades não-binárias a uma única classe é uma forma de apagamento.

Obs4: dentro da não-binaridade há categorias que descrevem as condições de certos gêneros, como demigênero para um gênero parcial, gênero-fluído para quem transita entre dois ou mais gêneros, entre outras. Também costumam ser usadas com alguma especificação (ex: demimulher).

Gênero cultural: há algumas culturas americanas, do Oriente Médio e de outras regiões que aceitam mais de dois gêneros, sendo identidades influenciadas pela cultura. Portanto são gêneros restritos de determinadas culturas e logicamente só podem ser adotados por pessoas que cresceram nelas. Não se encaixam nas definições ocidentais de cis e trans. Exemplos incluem: hjira na Índia, two-spirit nas tribos nativas norte-americanas, muxe no México.

Qualquer dúvida basta perguntar.



15 de nov. de 2017

Divulgação: espaços virtuais LGBT+

Neste artigo vou indicar grupos e páginas da rede social Facebook com conteúdo exclusivo ou mais voltado ao público LGBT+. Procurei listar espaços com atividade constante e que sejam mais inclusivos, representativos e interseccionais em comparação à maior parte por aí.

Páginas:

- Coordenação de Políticas LGBT: https://www.facebook.com/politicaslgbtsp
- Página das Famílias LGBTs: https://www.facebook.com/FamiliasLGBTOficial
- Bi-sides: https://www.facebook.com/bisides
- Iniciativa Monodissidente: https://www.facebook.com/monodissidente
- Associação Nacional de Travestis e Transexuais: https://www.facebook.com/antrabrasil
- Homens Trans: https://www.facebook.com/HomensTrans
- IBRAT - Instituito Brasileiro de Transmasculinidades: https://www.facebook.com/institutoibrat
- Chega de Segredos: https://www.facebook.com/chegadesegredosintersex
- Sexo, Sexualidade e Gênero com Dionne Freitas: https://www.facebook.com/dionnefreitasoficial
- Indeterminade: https://www.facebook.com/indeterminadeblog
- Assexualidade Brasil: https://www.facebook.com/assexuaistambemamam
- Comunidade Assexual: https://www.facebook.com/comuassex

Grupos:

- Grupo Ace, Demi, Gray-A(ce): https://www.facebook.com/groups/395428620526278
Estarei atualizando a lista em caso de inatividade/desativação ou surgimento de novas páginas e novos grupos.

Não esqueçam de divulgar! Espalhem a informação e a diversidade! <3



12 de nov. de 2017

ENEM 2017

Este ano decidi fazer o ENEM. Houve as seguintes mudanças: a prova antes era num fim de semana, sábado e domingo; agora é em dois domingos seguidos. E antes as matérias eram dividas em Humanas e Natureza (dia 1) e Linguagens e Exatas (dia 2); agora é Linguagens e Humanas e Natureza e Exatas.

Referente às matérias, acredito que não foi muito bom fazer essa mudança. Talvez possa ter deixado as duas provas mais cansativas para um único dia (mesmo sendo em duas semanas separadas). Pior ainda para quem não é tão bom com números e lógica ou com conteúdo teórico e interpretativo, a configuração anterior ao menos dava uma equilibrada.

O tema da redação foi: Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil. Um tema que achei digno. Juro que não esperava.

Muitas pessoas reclamaram do tema porque surdez e pessoas surdas são assuntos muito pouco (ou nem) discutidos em escolas e na mídia em geral. E sim, isso é verdade.

Agora, nada disso era desculpa para não tentar formular um texto. Na página do tema da redação havia quatro textos que forneciam uma base para escrever. E a menos que você more numa caverna, não é possível que você não tenha noção de que pessoas surdas são invisíveis e tratadas como incapazes.

Esse tema foi excelente para conscientizar a população em geral sobre inclusão. E essa inclusão é tão urgente que até mesmo uma estudante surda relatou ter encontrado dificuldade em fazer a prova.

E como em todo ano, tivemos que assistir um show de horrores. Os atrasados? Não. A plateia dos atrasados! Sério, como tem gente que usa uma tarde de domingo para rir e zombar da desgraça de pessoas que se atrasaram por n motivos para uma prova desgastante?

Não vou entrar no mérito de discutir sobre as dificuldades das questões (especialmente Exatas) e sobre as incontáveis reprovações por motivos até mesmo banais. Só não pude deixar de notar (pelo menos na instituição em que fiz a prova) que houve um decréscimo significativo de presentes do primeiro ao segundo dia.

O ENEM precisa melhorar sim, assim como todo o sistema educacional. Tive o privilégio de ter tempo de sobra para estudar (tempo que nem aproveitei direito xD). Mas fico pensando em quem não teve esse privilégio, em quem se esgotou psicologicamente estudando, em quem não pôde acessar uma educação de maior qualidade, enfim.

Torço muito para que todxs tenham ido bem. E quem não foi tão bem, que persista em seguir o que quer. E lembrem-se: a nota não define seu valor!



8 de nov. de 2017

O infográfico do biscoito

Esse infográfico - em inglês popularizado como genderbread person foi muito divulgado e utilizado na Internet para explicar os conceitos de sexo, gênero e sexualidade. Há muitas variações por aí com diferenças gráficas e/ou nas informações.

Legal, bacana, supimpa! Lembro que na época amei esse infográfico.

(Apenas um exemplo.)

Agora vem a parte chata. Preciso revelar que ele é cheio de falhas!

Ele falha pelos seguintes motivos:

- por representar as características em partes inadequadas do corpo;
- por falar sempre pelo menos um dos conceitos de forma incompleta ou equivocada;
- por simplificar demais, o que acaba passando ideias erradas ou mesmo apagando a diversidade ao invés de mostrá-la.

Sexo biológico: sempre apontado na genitália. O erro começa aí, pois o sexo não é definido unicamente por genitália, mas também por cromossomos sexuais, hormônios e gônadas. Em seguida vem quase sempre o erro de colocar como opções "homem" e "mulher", ou ambos e "intersexual" (intersexo é o mais apropriado). Primeiro, homem e mulher são gêneros! Segundo, dizer apenas intersexo é apagar toda diversidade da intersexualidade e reduzi-la a um terceiro sexo. É importante também apresentar o conceito de perissexo.

Identidade de gênero: sempre apontada no cérebro. Não é totalmente incorreto apontá-la nele. No entanto, devemos sempre ter em mente que o gênero está expresso também na corporalidade da pessoa (ex: se a pessoa é mulher, seu corpo todo é de mulher). E quando o conteúdo não presta o imenso desserviço de colocar somente as opções binárias, coloca os gêneros não-binários como uma única categoria. Se for para explicar as categorias de gênero, quase sempre falam algo errado sobre transgêneros. Nunca vi um gráfico citando ipsogênero ou gêneros restritos de culturas.

Expressão de gênero: sempre apontada em torno da figura. Talvez seja o único aspecto apontado mais corretamente. Geralmente são dadas as opções "feminina" e "masculina". Um gráfico mais inclusivo pode adicionar "andrógina" e "neutra". No entanto, vale lembrar que há pessoas que definem sua expressão como algo fora ou além dessas quatro (ex: há gente que a define como queer).
*Nota: Há gráficos que colocam o conceito de expressão de gênero como papel de gênero. Os papéis de gênero são as funções impostas por uma cultura para homens e mulheres.

Orientação: sempre apontada no coração. Quase sempre tentam explicar o conceito de orientação sexual combinando a atração sexual com atração romântica (muito chamada equivocadamente de "orientação afetiva"). Há outras atrações além de sexual e romântica. Então se fosse abordar todas, como apontá-las? E geralmente os gráficos citam opções alossexuais - hetero, homo, bi (etc). Ademais, faz sentido apontar sexualidade no coração, como se ela fosse sempre atrelada a sentimentos? Não estaria a orientação sexual na mente e no organismo (inconsciente, sensações, reações fisiológicas, libido)?

Sei que esse infográfico veio com o nobre intuito de explicar sobre a diversidade humana de forma didática e simples. Mas tem falhas. E as falhas espalham desinformação. Isso não pode ser ignorado. Acredito que melhor que um gráfico reducionista e errôneo é uma boa e velha explicação; seja falada ou escrita.



1 de nov. de 2017

Ideologia de gênero

Gente da (extrema-)direita, pessoas alinhadas com o fascismo e o retrocesso, estiveram batendo numa tecla bem peculiar, a tal ideologia de gênero.

Esse foi o nome que o setor conservador (principalmente cristão) inventou para demonizar (palavra apropriada rs) todo ensino de gênero planejado para ser aplicado nas escolas. O mesmo ensino que serviria para diminuir a violência contra a mulher e conscientizar sobre a transgeneridade. Mas esse setor já provou inúmeras vezes que cagam para essas pautas.

E ainda alegam que falar sobre gênero e diversidade irá corromper as crianças, erotizá-las, "transformá-las" em gays/trans (pra essa gente é a mesma coisa), enfim, os absurdos sem lógica e fundamento de sempre.

Adoram também citar a Teoria Queer, que só é mal-interpretada por quem sequer jogou o termo no Google pra pesquisar.

É natural que essa parcela da população seja contra o ensino nas escolas. Porque isso é uma ameaça a seu status quo, desafia o sistema patriarcal e heterocisnormativo que a beneficia, tira seu poder sobre as minorias.

Precisamos falar sobre gênero nas escolas porque precisamos falar das opressões e discriminações contra mulheres e pessoas trans que as atingem desde crianças. E a oposição está conseguindo barrar esse avanço espalhando mentiras e fazendo distorções sobre o tema, assim convencendo uma grande quantidade de ignorantes que servem de reforço.

Quem realmente prega uma ideologia é justamente quem enche a boca para falar numa "ideologia de gênero" - que realmente nem existe!

Quem quer pregar uma ideologia é esse setor retrógrado; a ideologia cisnormativa e normalizada que obriga quem tem pênis a ser homem, quem tem vagina a ser mulher, e quem é intersexo tem sua genitália mutilada para poder se encaixar em um dos órgãos e assim ter um gênero imposto.

Essa é a verdadeira ideologia de gênero. E ela deve ser combatida pelas mulheres e pela comunidade LGBTQIAP+ - principalmente pelas pessoas trans (binárias e não-binárias) e pelas pessoas intersexo.

Ninguém nasce de um gênero. As pessoas se descobrem. Apenas isso.