Falar de aborto ainda é um tabu. Isso é compreensível levando em conta toda complexidade, tanto ética quanto religiosa, que acompanha discussões sobre a vida e o direito a ela.
Desde já esclareço que ninguém é realmente a favor do aborto. O que quero discutir aqui é a legalização do aborto, que é um direito da mulher e uma questão de saúde pública.
Legalizar o aborto não é simplesmente dar o direito da mulher abortar quando bem quer. Existe toda uma legislação sobre isso, considerando as causas da gravidez, a condição da mulher e também o tempo de desenvolvimento do embrião, um conjunto de células.
E daí vem aquela discussão polêmica: esse conjunto de células, que sequer tem um cérebro formado, é uma vida? Muitas religiões defendem que a concepção - a fusão do espermatozoide com o óvulo - é o início da vida. A ética, apoiada na ciência, ainda não chegou a um consenso. Entretanto, mundialmente o aborto é aceito se realizado até a 12ª semana (3º mês) de gestação, visto que após esse tempo há um feto com pequena atividade neuronal (embora ainda um ser inconsciente).
Falando das causas da gravidez, devemos considerar os seguintes fatos:
1- Nem todas as camadas sociais têm acesso à informação; no caso, me refiro às mais periféricas. Pessoas sem a devida educação e assistência vão, naturalmente, viver mais pelos seus instintos mais básicos. Sim, elas vão sentir tesão e, naturalmente, vão transar. E como são ignorantes e marginalizadas, elas não têm alternativa a não ser ter o bebê, mesmo em condições miseráveis.
Sempre que você disser “abrir as pernas foi fácil”, que é uma maneira simplista de enxergar a situação, tente se colocar no lugar dessas pessoas. Elas não tiveram a mesma sorte que você, de nascer com acesso ao conhecimento e à educação.
2- Existem muitos métodos anticoncepcionais disponíveis no mundo. Se bem que nem todos os países podem adquiri-los e distribui-los para a população. Sabe o que todos eles têm em comum? Nenhum é 100% eficaz.
Sim, camisinhas estouram, pílulas podem falhar, e assim por diante. E não, não é culpa da mulher, nem do homem, que seja. Pode acontecer com qualquer pessoa. Você, pessoa hétero-cis, tenha sempre isso em mente.
3- Infelizmente, estupro contra a mulher ainda é uma realidade e recorrente pelo mundo. Talvez esse seja o ponto mais relevado até mesmo por quem se diz “contra o aborto”. Porém, há quem defenda (principalmente homens cis) que nem estupro é desculpa.
Já imaginou o que deve ser carregar o bebê de um homem que te estuprou? Pense nisso.
Obs: vale lembrar que nosso lindo governo fez um projeto chamado “Estatuto do Nascituro”, que impedia mulheres de abortarem em casos de estupro e até ofereciam direito à paternidade ao estuprador. Só um homem cis para pensar num projeto desses.
Eu acabo relevando muito com boa parte das pessoas que se dizem contra. Porque assim que elas expressão sua opinião, percebo que elas têm uma visão simplista, não enxergam toda a dimensão do tema. Elas mesmas são ignorantes.
Acho que muitas delas devem achar que legalizar o aborto é permitir que as mulheres saíssem engravidando e arrancando os fetos quando querem. E não é isso, nem passa perto disso. Aborto é um procedimento incômodo demais. E como foi dito, o procedimento deve ser feito antes da formação completa do feto.
Quem se diz contra deveria ao menos pesquisar sobre países que legalizaram o aborto. Em todos eles diminuiu-se a taxa de abortos clandestinos (que, por sinal, ameaçam a vida da mulher) e a taxa de natalidade permanece aceitável.
Mais uma coisa: percebe-se que membros da direita, esses que se autodeclaram “pró-vida”, protegem a todo custo a vida da criança... até ela nascer. Não adianta nada se dizer pró-vida se você não se importa com a vida da mulher e com que condições ela cuidará da criança (ou se vai simplesmente dá-la para adoção). Você não é pró-vida. Você é pró-nascimento. Ah, defender pena de morte também não é ser pró-vida, ok?
Convenhamos, o aborto teria sido sempre legalizado se os homens cis tivessem útero.