6 de jun. de 2019

Tradução de linguagens

AC: exorsexismo, ações anti-neolinguagem.



Cá estou após um pequeno sumiço querendo abordar um assunto complexo, porém acredito que seja simples de explicar. E aqui quando falo de linguagens, me refiro às linguagens pessoais (e possivelmente universais), sejam pronomes ou conjuntos (como o modelo artigo/pronome/flexão que uso aqui no blogue).

Esses dias mesmo li um texto traduzido que falava de duas pessoas não-binárias transmasculinas indo numa praia. O texto fora escrito por uma delas. No final citava que ambas namoravam uma terceira pessoa, que foi referida como namorado. E também havia um adendo: a pessoa escreveu que tanto ela quanto a outra usavam pronomes they/them.

No entanto, o texto foi traduzido como se usassem a linguagem o/ele/o. Já escrevi um texto falando dessa questão complexa de traduzir ou adaptar um texto particular de uma pessoa que usa um pronome neutro (ou não associado com os gêneros binários) para uma língua como a nossa, com uma estrutura binária e sem um terceiro pronome/uma terceira opção de linguagem.

Como escrevi no texto e acho que comentei em algum artigo aqui, é possível usar o conjunto o/ele/o de forma "neutra", pois, gramaticalmente falando, esse conjunto é tanto masculino quanto neutro. E talvez por serem duas pessoas transmasculinas tenham achado mais adequado e sensato usar esse conjunto do que a/ela/a.

Mas a questão é que se essas duas pessoas optaram pelos pronomes they/them, então elas rejeitam pronomes "masculinos" (he/him). É uma atitude ética atribuir uma linguagem gramatical e socialmente masculina a essas pessoas?

Assim como escrevi no texto e acabo de falar, essa situação mostra um vácuo que temos entre uma língua binária como a nossa e uma língua mais neutra como o inglês.

Se não fosse permitido o uso de neolinguagem, a pessoa ou equipe que traduziu o texto poderia tentar a via da sintaxe neutra, evitando pronomes e flexões de gênero. Mas também compreendo que há textos difíceis de traduzir/adaptar dessa forma. Quanto maiores forem, mais exaustivo também. E isso não resolve nadinha o problema central aqui: a falta de mais opções de linguagem no idioma!

Neopronomes estão aparecendo em outros idiomas também. Em inglês temos ze, ve, ey, thon, entre muitos outros. Alguns mais conhecidos, outros não. Já li textos indicando que o pronome ze está tendo um crescente reconhecimento social.

E agora pergunto: como traduziremos esses novos pronomes? Vamos continuar separando todo mundo entre o/ele/o ou a/ela/a? Vamos usar sintaxe neutra pra todo mundo que não usa pronomes ou linguagens bináries? Vamos continuar fingindo que está tudo bem chamar de ele ou ela pessoas que usam they ou qualquer outro terceiro pronome de outros idiomas?

Por isso e outros motivos que acredito na validade e necessidade da neolinguagem. Não poderemos mais ignorar a limitação da nossa língua daqui a um tempo. Ou podemos até fazer isso e sermos reconhecides como uma língua exorsexista. Eu prefiro trabalhar por um futuro mais inclusivo.