17 de jan. de 2018

Identidade trans em The Legend of Zelda: Breath of the Wild

O novo jogo da franquia The Legend of Zelda, o Breath of the Wild, trouxe (como todo novo jogo da franquia) muitas novidades.

Decidi investigar mais sobre a recepção do personagem Link vestido com roupas femininas. Encontrei dois textos em inglês muito interessantes que analisaram bem como a transgeneridade foi abordada no jogo. Quase todo conteúdo aqui presente foi pego desses textos.


No próprio universo da franquia, a raça Gerudo é definida como "uma raça só de mulheres". A cada 100 anos nasce um homem. Numa linguagem mais desconstruída, Gerudo é uma raça de pessoas de anatomia sexual ovariada, logo designadas mulheres; e a cada 100 anos nasce uma pessoa testiculada, logo designada homem.

Gerudo Town tem apenas uma regra: "não é permitida a entrada de homens". Machos de outras raças também não são permitidos. A raça Goron é aceita na cidade. Embora Gorons costumam utilizar linguagem masculina (ex: irmão), ainda são criaturas assexuadas e agêneros. Não são fêmeas, mas não são machos; isso é suficiente para Gerudos. Se aceitam ou não pessoas intersexo e espécies hermafroditas fica em aberto. Enfim, a cidade Gerudo não é só para mulheres; é para todes que não são homem ou macho.

Separei o gênero homem do sexo macho porque no próprio jogo há indícios de que mulheres trans podem ser aceitas. É possível Link ir numa sauna, e lá, mesmo com seu corpo exposto, ele é aceito pelas Gerudo ali presentes. Da mesma forma há indícios de que a raça pode também considerar a existência de homens trans/pessoas transmasculinas ou de mulheres com expressão masculina/não-normativa, pois é possível encontrar numa loja roupas Gerudo masculinas.

Para conseguir as roupas Gerudo e se passar por mulher, Link deve falar com uma pessoa chamada Vilia, que não tenho dúvida que seja uma mulher trans (é especulação, mas respeitarei a linguagem exigida por ela). Tanto que ela se recusa a atendê-lo se ele falar que ela é um homem - uma opção disponível após Link observar seu tom de voz e corpo. Não apenas isso é problemático, como o fato de Link ouvir falar de Vilia através de um mercador que a define como "o homem que enganou as Gerudo se vestindo de mulher".

As coisas até ficam bem enquanto Link respeita a identidade da personagem. E então um vento sopra e revela que por baixo do véu de Vilia há um rosto barbado, o que deixa Link chocado. Uma cena ridícula, alívio cômico barato pra mim.

Sobre as roupas, é uma via de mão dupla. Por um lado temos a oportunidade única de jogar com um Link queer e salvar o mundo vestindo véu num traje expondo barriga e ombros (*sexy*). Por outro lado, uma trama onde o personagem deve se infiltrar numa cidade como Gerudo Town fingindo ser mulher pode ser vista como um escárnio contra a transgeneridade feminina (além de outras interpretações problemáticas para o mundo feminino).

Poderia ter havido uma boa representatividade trans. E não teve. A Nintendo pelo visto não aprendeu muito com Birdo e Poison. No entanto, não se pode negar que a possibilidade de pessoas trans foi  ligeiramente aberta numa das maiores franquias de games do mundo. Vamos torcer para uma representatividade decente no próximo jogo.