29 de out. de 2017

Confissões

A cada dia que passa percebo mais e mais que a escola foi um dos ambientes mais tóxicos da minha vida. Na verdade ela é tóxica para todas as pessoas. Mas aqui falo de toxicidades bem específicas.

A escola tentou me ensinar o que era a vida: namorar menina, casar, ter filhos, arrumar um emprego de sucesso, ganhar dinheiro, gastá-lo com bens materiais, e... esperar uma morte tranquila? Não lembro se me ensinaram a como morrer, só lembro do processo de decomposição.

A escola tentou me ensinar que eu, menino, tinha capacidades e aptidões que meninas supostamente não tinham. Eu tinha a força, o raciocínio lógico, a inexplicável pré-disposição a ser bem-sucedido no mundo dos negócios e das empresas.

A escola tentou me ensinar como era ser menino. Me vestir como um, falar como um, agir como um, as características típicas de um ser homem, como ser um homem "de verdade" (nunca descobri o que era um homem de mentira).

A escola tentou. E eu fracassei.

Os colegas de classe, os professores, as aulas, as piadas, os comentários, tudo isso tentou me empurrar um modelo ideal de homem heterossexual e cisgênero que eu deveria seguir. Porque é o correto, apenas isso.

E eu tentei o que, acredito eu, todos já tentaram: se encaixar. Vamos tentar seguir a norma. Afinal se existe norma, é porque ela é a correta, certo? Vamos tentar ser o que a escola ensina, porque ela sabe o que é bom para nós, certo?

E aí você tenta. Tenta falar grosso, tenta ser agressivo, tenta gostar de futebol, tenta ser pegador. Você não consegue. E mesmo assim até persegue o coleguinha que também não consegue, assim podem te aceitar.

Você faz mal, você se faz mal, você aceita o mal sem questionar. Não é culpa nossa. Ninguém ensina a questionar, a ter senso crítico, a seguir sua própria natureza.

A escola te ensina tudo que você não consegue ser. E você sai dela se sentindo um fracasso.

E só muito tempo depois que aprendi que não havia nada de errado comigo. A escola era o problema. O sistema é o problema. Eu não fracassei. Você não fracassou. Nós não fracassamos. A luta foi difícil, mas o importante é resistir e não se perder.

Porém, não importa o quanto você seja consciente ou empoderado, as marcas do passado não somem. O passado não some. Os danos da escola continuam na alma. Meu eu atual sabe que não fracassou. Mas meu eu de antes não sabia. A criança não sabia. O adolescente não sabia. Ela e ele ainda existem. Na memória.